2/15/2022

ESPERANÇA SOLIDÁRIA

Se há uma coisa que todos temos na virada deste ano é a esperança. Depois de um ano cheio de sobressaltos e apertos, muita gente querida morrendo, nada mais lógico e natural que querer de que este novo ano nos dê a esperança de que será melhor. No entanto, a esperança é subversiva. Ela faz uma crítica ao presente e pensa o amanhã diferente. Ao questionar o presente, os que dele tiram seu proveito, especialmente pelas vias escusas da propina e corrupção, se sentem ameaçados. Usam dos meios que dispõem para preservar o status quo, seja promulgando leis que só atendem aos seus interesses ou prolatando sentenças monocromáticas que permitem a um preso sair da cadeia para viver como se nada tivesse acontecido. São as anulações de sentenças, mesmo as julgadas por um coletivo de juízes que colocam ‘provas duramente conseguidas como se lixo fossem.

Se a sociedade permanece alienada e não reage a estas situações, por melhores e mais bem fundadas que sejam suas esperanças, elas se tornarão em desesperança a curto prazo. Para que a esperança prospere, temos que levar em conta que os atos de esperança não estão fundados na análise dos passos pretéritos, no que fiz ou fizemos ontem. O que move para a concretização é a visão do futuro, que gera a dinâmica de atuação no presente. É a u-topós que se busca, no melhor sentido do ainda-não-dado, a utopia.

Por paradoxal que possa parecer, são os que mais sentiram a desesperança os que têm maior força e vitalidade na construção da esperança. Ela não é construída pelos que estão acomodados com o presente, pelos conservadores, pelos abonados ou alienados. Só os que sentiram na carne a fome, a injustiça, a opressão, a malandragem, a extorsão, podem dar musculatura e ossos à esperança. O conservadorismo não tem esperança porque é o amanhã e só quer preservar o hoje. Estão contentes com o que têm, mas os desesperançados não querem continuar a viver nesta condição. Daí a semente da esperança e da u-topia.

A esperança nasce do discurso que contagia. Não pode ser solitária, mas coletiva e a transformação do solitário em coletivo se dá pela pregação do sonho. Só sonhamos o amanhã quando, ao trocar ideias sobre o presente e analisar em conjunto, em um processo de hermenêutica comunitária do presente, nos damos conta do que precisa ser mudado e o amanhã sonhado e construído. Esperança solitária é planta que nasce e morre com o primeiro sol. A esperança solidária é árvore que sobrevive às intempéries.

A esperança solidária é dinâmica na medida em que é processual, porque é construída na caminhada. Uma esperança rígida nos seus detalhes é suicida. Talvez este tenha sido o erro de Marx e muitos marxistas. O futuro tinha que ser só do jeito que sonharam.

Um dos problemas com os cristãos conservadores e fundamentalistas é que eles têm sua esperança engessada: sabem com detalhes como será o amanhã, se há tribulação antes, no meio ou depois, se vão viver no céu ou na Jerusalém celestial, se vão reconhecer amigos na eternidade, se vão cantar hinos ou morar em palacetes. A esperança de muitos é “sair-deste-mundo”, mas se esquecem que o mandato de Jesus é “ir-ao-mundo” para ser sal da terra e luz do mundo. Na oração do Pai Nosso nos ensinou a pedir “venha o Teu reino”, mas muitos oram “leva-me para o Teu Reino”.

Como cristãos vivemos entre-mundos: o paraíso perdido e a morada futura. Somos peregrinos no presente, esperamos o amanhã da manifestação plena do Reino. Voltar ao passado é suicídio, porque impossível. Viver “ad eternum” no presente é suicídio porque opressivo e injusto. Sonhar e construir o futuro, mudando hoje a mim e ao meu entorno é vida. Não haverá amanhã se todos os dias continuo igual.

Marcos Inhauser

Nenhum comentário:

Postar um comentário

ESTADO ESQUIZOFRÊNICO

Não é de hoje que falo, escrevo e protesto contra o Estado brasileiro nos seus diversos níveis. Há nele um aperfeiçoamento célere quando s...