Se se aplica uma lógica cartesiana, conclui-se que nada existe que justifique que a passagem de ano seja encarada de forma diferente. É uma passagem igual às outras 364 noites do ano. No entanto, se se olha para o lado humano e psicológico da coisa, percebe-se que há algo a ser considerado. Quando se olha para as religiões da antiguidade, especialmente as que estavam voltadas para os deuses agrários, percebe-se que há nelas uma celebração do início de um novo ciclo, marcado pelo rito e ritmo das semeaduras e colheitas. Talvez tenha sido esta ciclicidade do sistema agrário que levou a muitos povos da antiguidade a ter uma concepção também cíclica da história, acreditando no eterno retorno.
Se se olha para a religião hebraica, percebe-se que a ciclicidade também está presente e até mesmo em ciclos menores. Foram eles que estabeleceram o ciclo da semana, quando, em um curto período de tempo, se recomeça a vida. Também contavam os anos e a cada ano os ritos ajudavam a perceber o desenvolvimento do tempo, todo ele relacionado à vida agrária e pastoril do povo.
O que seria de nós se não houvesse o sábado, o domingo e a segunda-feira? O que seria de nós se não houvesse o primeiro de janeiro, de fevereiro, de março, e assim sucessivamente? O que seria de nós se não houvesse o primeiro de janeiro? Como poderíamos esperar que coisas melhores pudessem acontecer se não tivéssemos a oportunidade de sepultar o velho e esperar pelo novo?
A vida sem segundas-feiras, sem os primeiros dias de cada mês e sem o primeiro de janeiro seria monótona, cansativa, depressiva. Onde arrumaríamos esperança de um novo começo? Onde acreditaríamos que coisas novas estão por vir?
O novo é o lugar da esperança. Não há esperança no que se conhece, no que se vive, no que se sabe. É o novo que traz consigo o sonho, a esperança, a energia para sair à frente. Somos seres em caminhada. Estamos sempre saindo do conhecido para o novo. O novo nos fascina, nos instiga, nos deixa cheio de curiosidades.
Não é para menos que o evangelho é “boas novas” e que a promessa é de “novos céus e nova terra”. Os cristãos são chamados de peregrinos, porque aspiram a pátria celestial, a novidade ainda não vivida. A fé não é vivida na sua plenitude quando se para no caminho. A Moisés Deus disse: “Diga ao povo que marche”. A Abraão ordenou: “Sai da tua terra e da tua parentela e vai para terra que Eu te mostrarei”. A vida cristã e a vida plena se fazem na caminhada, na descoberta do novo, na eterna insatisfação com o presente. Não há lugar para o conservadorismo. Não há lugar para quem coloca uma realidade passada no freezer e queira que sempre esteja do mesmo jeito. Fé é movimento em direção à promessa de novos céus e nova terra.
Por isto não consigo entender por que tantos cristãos, católicos ou evangélicos, se apegam ao conhecido, se tornam extremamente conservadores, repetem ad nauseam as mesmas frases, os mesmos jargões. Quero novos tempos: nem preservação do presente, nem retorno ao passado. Quero a novidade do Reino se manifestando entre nós.
Porque o conservadorismo grassa no meio religioso, não é para menos que muitas igrejas são verdadeiros jardins de infância espiritual e muitos crentes são autênticos bonsai: nunca crescem!
Marcos Inhauser
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