2/15/2022

MAMADEIRA DE JILÓ

Não sei se é sinal dos tempos ou de minha caminhada à velhice. Tenho me impressionado com o número de pessoas azedas que encontro por todo canto. Elas reclamam de tudo e de todos.

Por outro lado, estou em um dilema: ser crítico e não se acomodar com as coisas é ser azedo? Seria condição para ser jornalista, comentarista político ou colunista o ter tomado mamadeira de jiló na infância? Ou é dom divino ser Polyana, a que via tudo cor-de-rosa, tudo maravilhoso? Quem está certo: o ufanista com o bordão “estou convencido de que, nunca na história deste país”, ou a do crítico a destilar fel e ironias todos os dias? Ou estaria melhor o Macaco Simão ao fazer troça de tudo e todos e levar a vida com colírio alucinógeno?

Neste caminhar de dúvidas, me veio à mente a história bíblica dos murmuradores que, tendo saído da escravidão egípcia, encontravam-se no deserto e reclamavam de tudo. Ora a comida, ora água, depois os dirigentes, ou o sol escaldante, ou o frio noturno. A figura dos murmuradores são típicas de quem tomou mamadeira de jiló na infância. Nada os satisfaz, sempre tem algo a dizer que está faltando, etc. Uma coisa interessante na história bíblica é que os murmuradores nunca entraram na terra prometida. Isto acontece até hoje: quem murmura, quem é poço de azedume, sempre estará atento aos detalhes da imperfeição e nunca aprenderá a desfrutar da beleza do que existe e é possível. Murmuradores não desfrutam de mel e leite porque tomaram gosto pelo jiló das mamadeiras. E como diz o ditado, “há quem goste dos olhos e quem da remela”. Murmuradores deixam de desfrutar dos olhos lindos para buscar a remela.

Na outra ponta está a Polyana, cega aos detalhes, às implicações mais abrangentes dos atos e fatos. Veem marolinhas, quando deveriam se preparar para tsunami. Incentivam a compra quando o mundo pede cautela nos gastos. Mantem os juros altos e culpa o mundo. Aumentam os gastos públicos quando a prudência e a sabedoria exigem cortes. Terceirizam a culpa de todos os erros que cometem. Inconstantes, mudam de opinião a cada hora.

Entre os dois pólos há quem se orgulhe do espírito do brasileiro que faz piada de tudo. É a natureza “macacosimoniana” de esculhambar, como forma de não encarar, de não enfrentar. Sátiras, ironias, trocadilhos para tudo e todos. São os memes a fazer piada de tudo e de todos, umas inteligentes, outras de gosto duvidoso, outras de humor duvidoso. O humor tanto pode revelar a criatividade e inteligência como a imbecilidade.

Aprendi que há algumas variações nos discursos. O descritivo se limita a descrever as coisas como são, a partir da ótica do autor, considerando que a análise purista é quimera dos “imparciais” e fundamentalistas. Há o investigativo, que explicita as coisas que extraídas a partir das muitas perguntas feitas e conclusões tiradas pelo investigador, que devem, sempre ser avaliadas à luz da coerência e lógica interna. Há o prescritivo, quando o autor orienta os leitores nas condutas que devem adotar a partir das afirmações que faz. Há o negacionista quem, cego às informações oriundas das mais diversas fontes confiáveis, prefere suas convicções pessoais, quase sempre baseadas nas leituras que fez durante o curso básico, no astrólogo que virou filósofo autodidata e assessores tão bem-educados quanto ele.

Cada qual tem um preço a pagar pelo que escreve e afirma. Uns recebem créditos e elogios, outros críticas e ainda outros são motivo de gozação dada às besteiras constantes que profere. O pior é o que tomou mamadeira de jiló com veneno e seu discurso é para promover a morte.

Marcos Inhauser

 

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