Era eu aluno primeiranista em um seminário que funcionava na base de internato. Havia diariamente um estudo obrigatório de três horas à noite, quando um professor visitava os quartos para tirar dúvidas (e certificar-se que o estudo estava sendo feito). Numa noite destas, o professor passou e um dos colegas, quartanista, perguntou a ele sobre a interpretação de um texto específico do Apocalipse. Ele olhou no vazio, pensou um pouco e disse: “por que me pergunta isto se você tem alguém aqui que sabe tudo sobre o Apocalipse?” Ao dizer isto, olhou para mim. Eu realmente sabia a resposta, mas fiquei bravo porque percebi o tom de ironia na afirmação. Perguntei por que ele dizia isto, ao que me respondeu: “todo primeiranista sabe tudo sobre o Apocalipse”.
Se há uma
coisa que tenho percebido nestes mais de trinta anos de pastorado é que as
pessoas novas na fé e as menos maduras espiritualmente são as que têm maior
inclinação pelos mistérios que dizem haver no livro do Apocalipse. Elas acham
que sabem tudo, que entendem todos os mistérios, que sabem como vão ser as
coisas no futuro.
Os maiores
teólogos da igreja não dedicaram a este livro bíblico a mesma ênfase que muitos
a ele têm dedicado. Calvino escreveu comentários sobre todos os livros da
Bíblia, menos o Apocalipse. Lutero fez menções acessórias a ele. Barth tampouco
dele falou e quando o fez, o fez não da forma preditiva como muitos fazem, mas
como reflexão sobre os acontecimentos históricos.
Os
apocalipsistas se esquecem que a Bíblia condena quem faz adivinhações e
transformam o livro em manual de especulações sobre o futuro. Entre estas
adivinhações há uma variedade de afirmações que foram feitas. Já cansei de ler
e ouvir de pessoas que marcaram a data do fim do mundo, da volta de Cristo, do
arrebatamento da igreja. E todos erraram feio. Cansei de ler e ouvir sobre quem
é o anticristo. Muitos foram e são os que afirmam com todas as letras da
infalibilidade do Papa, Hitler, Kissinger, Bush, Saddam Hussein, e outros,
foram ou são o anticristo. Já ouvi mais de seiscentas e sessenta e seis
interpretações de quem é a besta apocalíptica.
Na esteira
destas abobrinhas apocalípticas há quem já afirmou que o código de barras é o
sinal da besta; que há em Bruxelas um supercomputador que tem o cadastro de
todas as pessoas do mundo; que não se deve comprar propriedade na praia porque
o “mar vai virar sangue e o investimento se perderá”; que a China vai invadir
Israel; que a União Soviética (quando esta existia) iria invadir Israel para
explorar os sais minerais do Mar Morto; que o templo em Jerusalém seria
reconstruído até o ano 2000, e por aí afora.
Mas o que
mais me intriga é que estes apocalipsistas pregam o caos. A partir de uma
leitura questionável de alguns poucos textos afirmam que o sinal dos tempos são
os terremotos, guerras, violência de pais contra filhos, fome, desastres
naturais e provocados. Para estes, quanto piores forem as coisas, mais perto
estaremos da vinda de Jesus. Parecem que esperam a desgraça para ver a
salvação. Não é para menos que se alienam, pois não devem melhorar o mundo
porque isto atrasa a volta de Cristo. O caos é sinal de salvação.
E se é
assim, para que pregar as boas-novas? O melhor é bagunçar para que o Reino
venha logo.
Marcos
Inhauser
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