7/12/2021

IDEOLOGIA OU TEOLOGIA?

Desde há tempos estudiosos e teólogos vêm levantando a questão das implicações ideológicas que se entrelaçam no campo das doutrinas religiosas. Por se tratar de área que trabalha com texto religioso crido como sendo a revelação de Deus, onde Ele mesmo teve participação ativa ao dar-se a conhecer, os cristãos têm tomado o estudo da Bíblia em sentido sério e reverente. No entanto, não são poucos os casos em que estas atitudes cedem lugar às concepções esdrúxulas e fanáticas. O do fundamentalismo bíblico com suas teses de inerrância e infalibilidade das Escrituras gerou uma plêiade de intérpretes que, por estarem trabalhando com algo que julgam ser inerrante, também assumem que suas interpretações adquirem inerrância e infalibilidade.

Mais recentemente tem-se chamado a atenção para a influência do "reconstrucionismo" em setores carismáticos evangélicos, como forma de acrescentar poder e prestígio à igreja e ajudar na recuperação do poder político que a igreja teve com a era constantiniana e que foi abalado com o surgimento dos Anabatistas, no século XVI, na chamada Reforma Radical e que defendeu a completa separação da Igreja e do Estado.

O reconstrucionismo é uma linha teológica que nasceu nos Estados Unidos nos anos 60, e ganhou força nos países latino-americanos nos anos 80. Ela está vinculada a setores religiosos conservadores norte-americanos e à política neoliberal. Ele se disseminou por toda a América a partir da ofensiva contra a Teologia da Libertação (esta também uma teologia eivada de ideologia política, só que de cunho marxista-socialista), onde a pregação religiosa, notadamente as de acento carismático, pentecostal e neopentecostal passaram a ter conotação pró-capitalista (teologia da prosperidade) e individualista (a ênfase na religiosidade televisiva, na individualidade do lar).

A proposta reconstrucionista afirma que os cristãos têm uma missão especial dada por Deus, um "destino manifesto", devendo assumir posições de poder nas esferas de governo, com o objetivo de reconstruir os países. Para estes, as nações, especialmente as latino americanas, por seu passado indígena e cultos “pagãos” e a colonização católica “idólatra”, têm uma maldição secular que deve ser arrancada com atitudes de coragem e destemor. Para tanto, há grupos, até mesmo de empresários e profissionais liberais, buscando as “fortalezas de Satanás em cada cidade” para “tomar posse em nome de Jesus” e assim iniciar o processo de reconstrução a partir de base moral e espiritual. É a ampliação do governo de Deus através da igreja, ocupando espaços que foram descuidados.

No dizer do sociólogo peruano Oscar Amat, na América Latina "estamos passando de uma economia religiosa de monopólio para uma de concorrência, mas o crescimento quantitativo dos evangélicos levou também ao crescimento do campo evangelical ou carismático, que busca penetrar nos diferentes níveis da sociedade". Com isto cresce o interesse de alguns desses grupos pela participação política, notadamente em setores que há alguns anos eram os mais reacionários a tal participação.

É o uso da religião com fins políticos para a conquista do poder. O reconstrucionismo toma como paradigma a sociedade patriarcal de Israel, a partir da qual pode construir as bases da transformação moral e espiritual dos países.

Nessa concepção, sustenta Amat, o futuro da participação política dos evangélicos poderia transitar pelo clientelismo e fisiologismo, na busca de benefícios para a igreja e para os evangélicos, apoiando candidatos que beneficiem direta ou indiretamente os setores evangélicos marginalizados do poder durante tantos anos. E aí estão os ministros presbiterianos, sendo um deles terrivelmente evangélico para ser indicado ao STF. Aí estão os áulicos da religiosidade midiática, buscando holofotes do palácio para benesses em seus negócios.

Marcos Inhauser

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