Desde há tempos estudiosos e teólogos vêm levantando a questão das implicações ideológicas que se entrelaçam no campo das doutrinas religiosas. Por se tratar de área que trabalha com texto religioso crido como sendo a revelação de Deus, onde Ele mesmo teve participação ativa ao dar-se a conhecer, os cristãos têm tomado o estudo da Bíblia em sentido sério e reverente. No entanto, não são poucos os casos em que estas atitudes cedem lugar às concepções esdrúxulas e fanáticas. O do fundamentalismo bíblico com suas teses de inerrância e infalibilidade das Escrituras gerou uma plêiade de intérpretes que, por estarem trabalhando com algo que julgam ser inerrante, também assumem que suas interpretações adquirem inerrância e infalibilidade.
Mais recentemente tem-se chamado a
atenção para a influência do "reconstrucionismo" em setores
carismáticos evangélicos, como forma de acrescentar poder e prestígio à igreja
e ajudar na recuperação do poder político que a igreja teve com a era constantiniana
e que foi abalado com o surgimento dos Anabatistas, no século XVI, na chamada
Reforma Radical e que defendeu a completa separação da Igreja e do Estado.
O reconstrucionismo é uma linha
teológica que nasceu nos Estados Unidos nos anos 60, e ganhou força nos países
latino-americanos nos anos 80. Ela está vinculada a setores religiosos
conservadores norte-americanos e à política neoliberal. Ele se disseminou por
toda a América a partir da ofensiva contra a Teologia da Libertação (esta
também uma teologia eivada de ideologia política, só que de cunho
marxista-socialista), onde a pregação religiosa, notadamente as de acento
carismático, pentecostal e neopentecostal passaram a ter conotação
pró-capitalista (teologia da prosperidade) e individualista (a ênfase na
religiosidade televisiva, na individualidade do lar).
A proposta reconstrucionista
afirma que os cristãos têm uma missão especial dada por Deus, um "destino
manifesto", devendo assumir posições de poder nas esferas de governo, com
o objetivo de reconstruir os países. Para estes, as nações, especialmente as
latino americanas, por seu passado indígena e cultos “pagãos” e a colonização
católica “idólatra”, têm uma maldição secular que deve ser arrancada com
atitudes de coragem e destemor. Para tanto, há grupos, até mesmo de empresários
e profissionais liberais, buscando as “fortalezas de Satanás em cada cidade”
para “tomar posse em nome de Jesus” e assim iniciar o processo de reconstrução
a partir de base moral e espiritual. É a ampliação do governo de Deus através
da igreja, ocupando espaços que foram descuidados.
No dizer do sociólogo peruano
Oscar Amat, na América Latina "estamos passando de uma economia religiosa
de monopólio para uma de concorrência, mas o crescimento quantitativo dos
evangélicos levou também ao crescimento do campo evangelical ou carismático,
que busca penetrar nos diferentes níveis da sociedade". Com isto cresce o
interesse de alguns desses grupos pela participação política, notadamente em
setores que há alguns anos eram os mais reacionários a tal participação.
É o uso da religião com fins
políticos para a conquista do poder. O reconstrucionismo toma como paradigma a
sociedade patriarcal de Israel, a partir da qual pode construir as bases da
transformação moral e espiritual dos países.
Nessa concepção, sustenta Amat, o
futuro da participação política dos evangélicos poderia transitar pelo
clientelismo e fisiologismo, na busca de benefícios para a igreja e para os
evangélicos, apoiando candidatos que beneficiem direta ou indiretamente os setores
evangélicos marginalizados do poder durante tantos anos. E aí estão os
ministros presbiterianos, sendo um deles terrivelmente evangélico para ser
indicado ao STF. Aí estão os áulicos da religiosidade midiática, buscando
holofotes do palácio para benesses em seus negócios.
Marcos Inhauser
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