8/12/2021

A LIMITANTE EXTRAPOLADA

No quesito “revelação especial” (ver texto anterior aqui postado), há uma máxima, pretensamente apoiada por textos escriturísticos sagrados e canônicos de que nada se deve acrescentar à Bíblia, sob pena de juízo (Dt 4:2, 12;32; Ap 22:18, entre outros utilizados). A ideia que subjaz é a de que a revelação especial se concluiu com os escritos hoje tidos como canônicos e que nada se pode acrescentar e retirar destes textos.

Ocorre que, nos aludidos textos, há a recomendação expressa de que tal orientação se refere ao livro específico onde o texto está inserido. Daí porque, me parece, ampliar sua abrangência para todos os demais livros é fazer mal uso. Além do mais, note-se que as imprecações são uma forma estilística e visam dar autoridade ao que estava escrito naquele livro. É um recurso de apelo autoritativo e de empoderamento.

Há ainda uma observação a se fazer quanto a este terminativo de não acrescentar nem retirar nada. No livro de Daniel está assim colocado: “Tu, porém, Daniel, encerra as palavras e sela o livro, até ao tempo do fim; muitos o esquadrinharão, e o saber se multiplicará.” (Dn 12:4). Esta alocução se refere ao livro em questão e diz que está encerrado “até ao tempo do fim”. Ocorre que a maioria dos que usam o argumento para “selar a Bíblia”, são os mesmos que, de boca cheia, anunciam que estamos vivendo o fim dos tempos. Se isto é verdade, a afirmativa de Daniel abre a possibilidade de se tratar do texto de forma diferenciada ou seja, nos dias atuais que são os últimos dias.

A quem interessa esta interpretação limitante? Por que se tem medo de ter a revelação aberta? Se Deus quer se revelar, Ele o não faz sem pedir licença? Se a máxima é verdadeira, qual dos cânones aceitos é verdadeiro? Estariam alguns ortodoxos certos ou errados ao não incluir o livro do Apocalipse no seu cânon? Como fica Lutero que tirou a carta de Paulo a Tiago por considerá-la palha? Como entender que na Igreja primitiva alguns escritos eram tidos como inspirados e normativos (ex. Didaquê) e que não o são mais? Como entender que a inspirada carta de Judas mencione livro apócrifo? É este livro canônico ou só a parte dele citada por Judas? Como entender as controvérsias e o jogo de interesses na formação e aprovação dos cânones veterotestamentário e neotestamentário? Como pôde a igreja viver mais de trezentos anos sem um cânon reconhecido? Como pôde a igreja sobreviver se os primeiros escritos, hoje aceitos como inspirados, começaram a ser escritos em meados dos anos 50 e se estenderam até pouco depois do ano 100?

Estas são questões que merecem ser trabalhadas por quem tem a mente aberta pelo Espírito, que é quem dá a liberdade e a sabedoria.

Marcos Inhauser

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