Uma coisa é ouvir alguém falando vendo-a, outra é ouvir a fala de um ausente. Uma coisa é ouvir a fala presencialmente, outra é ouvir vendo a pessoa que fala por algum meio visual (vídeo ou TV). Uma coisa é ouvir uma música gravada pelo/a cantor/a preferido/a, outra é ir ouvir em um show com a performance presencial.
Assim é porque, desde nossos primórdios, fomos treinados a manter conversações face-a-face, seja no diálogo ou na conversa comunitária ou familiar. Isto está no nosso arquétipo comunicacional. Foi a invenção do telefone e a miríade de outras possibilidades que alteraram este paradigma fundamental da comunicação. A relação médico e cliente, tão alicerçada no presencial e no contato físico, vem sendo alterado pela telemedicina.
A fala, por mais rica que seja na sua dimensão denotativa, é insuficiente ao descrever coisas mais requintadas. Basta ver autores de romances, poetas e outros escritores quando querem descrever paisagens, o sabor de algo, a beleza de uma flor, sentimentos. Por melhor que seja comunicacionalmente, ninguém consegue descrever o sabor de uma laranja. Pode dar indícios, mas nunca descrever. A fala sempre é menor que o que descreve.
Esta distância entre os fatos e sua descrição passa batido na maioria das vezes. Damos por assentado que o que ouvimos, no mais das vezes são tentativas de descrever sentimentos. Posso dizer que estou com raiva, mas esta palavra nunca dará a exata dimensão do que estou sentindo. Ademais, posso dizer o que sinto e tentar ser o mais fidedigno possível, mas quem me ouve vai entender segundo suas experiências emocionais. Ao dizer que estou com raiva o ouvinte pode me certificar que entende o que estou dizendo, mas o que entende está codificado pelas suas experiências com este sentimento. Digo “A” e ele entende “a”.
Nas descrições de emoções fazemos uso constante de metáforas. Para dizer que estava com raiva digo “chutei o pau da barraca”, “meti o pé na porta”, “descarreguei um caminhão de melancia”, “rodei a baiana”. Estes recursos comunicacionais são muletas para a nossa incapacidade de descrever o que sentimos.
Assim, ninguém pode arvorar-se como sendo fidedigno ao descrever ou expressar emoções. Nossas falas são tentativas, aproximações. A interpretação que fazemos do que ouvimos sempre deveria estar baseada na possibilidade: “talvez, o que ele quis dizer foi...”
Marcos Inhauser
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