Este é o dilema da fala. Ela é poderosa, cria relacionamentos, mundos e amores. Mas é imperfeita e incapaz de traduzir com precisão nossos sentimentos. Tanto é assim que há milhões de romances, poemas e músicas dedicados a definir o que é o amor. Tente definir com exatidão o que é a raiva, ódio, a simpatia, a saudade, o desejo sexual. Todas as definições são incompletas.
Não mentimos quando definimos, mas não definimos o que queremos definir. São tentativas que podem ser mais ou menos exatas, dependendo do grau de vocabulário que a pessoa tenha e sua capacidade descritiva. À falta de vocabulário recorremos às metáforas, tentativa de descrição que usa algo análogo para explicar. Mais que isto, a metáfora tem a capacidade de nos fazer imaginar. Nada mais limitado que a fala cartesiana para descrever sentimentos, desejos e orgasmos.
A fala é uma tentativa, uma aproximação, uma revelação parcial.
A fala passa pelo processo de interpretação de quem a escuta, o que a torna ainda mais imprecisa, imparcial. Toda interpretação é uma tentativa. Nenhuma é absoluta. Muito mais a interpretação da fala reveladora de Deus. Quem acha que entendeu o que Deus de si mesmo revelou, peca pela arrogância. A palavra chave na regra hermenêutica é “talvez”.
Mesmo a “Palavra de Deus” não pode ser a revelação completa e perfeita da essência de Deus. Se assim fosse, ela seria o próprio Deus. Há uma defasagem entre o ser de Deus e o que ele se deu a conhecer. Conhecemo-lo em parte, superficialmente. Buscar entender a revelação é um exercício de natureza parcial, porque, mesmo o revelado, passa pelo crivo da interpretação humana, o que pode distorcer, apreender parcialmente.
A arrogância é de quem os absolutos da interpretação. O sábio sabe que nada sabe e sua interpretação é precedida da incerteza do “talvez”, “acho que”, “poder ser que”.
Marcos Inhauser
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