A invenção da escrita surge como tentativa de dar mais vida à fala. Se o que falamos morre imediatamente após a emissão do som, a escrita, ao tentar capturar pensamentos e falas, pretende estender a vida útil de ambos. A escrita é a tentativa de dar sobrevida ao que é efêmero.
O que se escreve, no entanto, por mais bem elaborado e preciso que seja, não consegue dar aos pensamentos e falas o mesmo brilho e dinamismo. Sonhos, imaginação, pensamentos em cores. Escrevemos em preto e branco. Falamos com nuances de tonalidade, ritmo, ênfase, mas o que escrevemos é linear. Pegue-se um romance e perceba o trabalho hercúleo dos escritores em descrever os personagens que estão na sua mente. Quando eu tentava ler “Chaplin – Uma biografia definitiva”, de David Robinson, ele dava tantos detalhes sobre a casa, a escada, os móveis da casa do Chaplin, que se tornou entediante. Ele, parece, desejava que eu “entrasse no mundo de Chaplin”. Não conseguiu, ao menos comigo.
A escrita é sempre menor que o sonho, pensamento ou fatos que busca descrever. Daí o surgimento dos poemas que mão buscam ser descritivos, cartesianos mas, ao usar metáforas, nos incitam a criar nossos próprios imaginários, a nossa versão da realidade. Esta é a beleza dos Salmos: não descrevem, mas suas narrativas buscam nos fazer criar nosso mundo, entrar nos nossos sofrimentos, nos dar esperança em meio às nossas dores.
A escrita é a prova da complexidade da fala, é a fixação em regras da comunicação. Enquanto a humanidade se valeu da oralidade, as mentes estavam abertas para a recordação, para a memória. Ouviam história longas e podiam reproduzi-las. Com a escrita a memória perdeu seu espaço nos relacionamentos. Vale o que está escrito. Se não foi escrito, morreu com a fala.
Acumulamos livros em bibliotecas imensas porque perdemos a capacidade de recontar com fidelidade o que ouvimos. O paradoxo é que, hoje conhecemos muito mais histórias porque temos acesso aos livros escritos. Daí que alguém já disse que o ser humano deve ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro. Outro afirmou que quem nunca leu um livro nunca nasceu: é um natimorto.
Marcos Inhauser
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