A história se aplica a Deus. Temos visões e noções parciais sobre Deus, mas ninguém, nunca, O conheceu na Sua plenitude. Nossas visões de Deus são fruto da forma como o apalpamos, tocamos, sentimos, experimentamos, intuímos, mas o conjunto destas experiências não nos dá uma visão do todo e são tentativas de conhecimento.
Com certeza, há quem vá dizer: Deus se revelou a nós e nós o podemos conhecer. É verdade, mas há alguns senões a serem considerados. “O que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou” (Rm 1:19). Só conhecemos o que Ele permitiu que conhecêssemos e a revelação é uma ação da graça de Deus, porque “não há quem entenda, não há quem busque a Deus” (Rm 3:13). A revelação é a ação graça divina se dando a conhecer, se revelando parcialmente a nós.
Outro aspecto é que a revelação está intermediada. Ao tomar a Bíblia como a fonte de revelação primária sobre o que sabemos de Deus, temos uma fonte intermediada. Sabemos o que alguém diz que viu ou ouviu de Deus. Nunca temos o próprio Deus se revelando a nós e falando diretamente. Mesmo o que Jesus falou e ensinou o sabemos por que terceiras pessoas relataram o que d´Ele ouviram. Esta revelação “terceirizada” tem seus vieses e alguns deles são abordados em outros textos por mim escritos e aqui postados. Quem escreveu e reproduziu o que Jesus disse, teve as limitações que a escrita enfrenta ao tentar ser fidedigna ao que busca descrever. Tanto é assim que o sermão da montanha em Mateus difere do que Lucas apresenta, com seu conteúdo fragmentado ao longo do evangelho que escreveu. Qual dos dois é o mais fidedigno?
Certamente virão os mais afoitos perguntar: e a inspiração do Espírito Santo? Na minha experiência pastoral percebo que estes que assim argumentam, acreditam na inspiração verbal e plenária, ou no ditado mecânico: Deus foi ditando e o escritor bíblico foi escrevendo. Até as vírgulas foram inspiradas!
Esta concepção implica em algumas considerações. Se houve um ditado divino para o escritor eleito para escrever, o que se pode afirmar, em sã consciência, é que o escrito original teve esta característica. Sabe-se que deste “original” foram feitas cópias para preservar o escrito, uma vez que os materiais empregados eram facilmente deterioráveis. Assim, os manuscritos mais antigos que temos, são cópias das cópias das cópias. Sabe-se, e há inúmeros exemplos disto, que os copistas cometiam erros e que há diferenças entre os manuscritos preservados. A pergunta que se impõe: qual dos manuscritos é o “verbal e plenariamente inspirado?” Há quem afirme a inspiração plenária nas traduções. Qual das versões em português é a inspirada verbal e plenariamente?
Se a escrita foi “ditada” por Deus, qual dos relatos sobre a crucificação, onde os ladrões aparecem em Mateus, Marcos e Lucas é o verbalmente inspirado? E como avaliar a autenticidade sobre a história de Paulo logo após a conversão e sua permanência no deserto da Arábia? O relato dos Atos ou do próprio Paulo em Gálatas?
Não apresento coisa nova. Quem estuda e está aberto para ouvir “de tudo e reter o que é bom” já terá visto estes questionamentos. Com certeza haverá quem me questione e apresente os argumentos que são sobejamente conhecidos. Já os ouvi muitas vezes e cada vez que os ouço, reforçam minhas perguntas e posições aqui feitas.
Marcos Inhauser
Nenhum comentário:
Postar um comentário