2/15/2022

DO CAOS À NOVIDADE

Característica comum a todas as culturas é terem uma estória para a criação do mundo que têm elementos míticos, uma vez que há a ação dos deuses intervindo para a criação do mundo material. Outra bastante comum é que elas partem do caos para a criação.

A cosmogênese bíblica não foge a este padrão. Ela parte do caos para a o ordenamento pela Palavra de Deus. A expressão bíblica de que a terra “estava sem forma e vazia” (no hebraico tohu vabohu), indica esta situação de algo caótico, desolado. A visão bíblica é que a ordem veio pelo ordenamento dado por Deus ao proferir ordens: “haja luz”, “haja firmamento”, “haja separação”.

Estes relatos trazem uma lição tão antiga quanto a humanidade: é do caos que sai a novidade, é da crise que sai o novo, é da catástrofe que surge o diferente. Se a morte, segundo o poeta, é a única certeza da vida, ele se esqueceu de dizer que os problemas, as crises, o caos também o são. E por mais antiga que seja a convivência humana com situações adversas, cada vez que por elas passamos nos sentimos despreparados, incapazes, amedrontados, desesperançados.

Há um sentimento de caos nestes dias de fim-de-ano. Há uma desordem, sufoco, um cheiro de 620.000 mortes, falta de tempo e espaço, incertezas mil, caos no final de cada ano. Com qualquer pessoa que se converse, a frase mais ouvida é; “correndo muito”. Ao se olhar para as pessoas andando nos locais comerciais, nas ruas, nos trabalhos, se tem a certeza desta afirmação.

A impressão é que, na magia de um fim-de-ano, quando um ano calendário está com seus dias contados, há a necessidade psicológica de viver o mais intensamente possível os minutos que restam. É uma profusão de formaturas, almoços, jantares, amigos secretos, balanços, inventários, viagens, reuniões de família. Há um desejo de fazer nestes dias o que não se fez todo o ano.

Esta canseira toda encontra na novidade de um novo ano a esperança de dias melhores. Na cultura brasileira, depois das festas vêm as férias para uma boa parcela da população. O descanso para o recomeço, o fôlego tomado na maratona da vida.

O que seria de nós se não houvesse a esperança do recomeço de uma segunda-feira, de um dia primeiro de cada mês, de um ano novo? O que seria de nós se depois de cada caos não houvesse a novidade? O que seria de nós se o caos fosse eterno?

Graças a Deus há coisas novas e vinho novo que arrebenta odres velhos.

Marcos Inhauser

 

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