2/15/2022

NATAL: O ENCONTRO COM O TU

A grande ironia dos tempos modernos é que o ser humano religioso, em nome de uma fé moderna, quer demonstrar sua liberdade frente ao mundo através de um processo de “desmundanização”. Por ele, acredita, estará a salvo das influências mundanas e pecaminosas. Neste raciocínio, aquele que vive “no mundo” não pode “viver em Deus”, pois viver “em Deus” e “para Deus” é separar-se do mundo. Com este paradigma, o jargão usado é “o mundão lá fora”.

Este comportamento leva a uma existência expectante e não atuante. Os fiéis da “vida consagrada a Deus” passam a ser expectadores de sermões, conferências, vídeos, filmes religiosos, frequentadores passivos de cultos onde um fala e o resto ouve. Reúnem-se semanalmente, se elogiam mutuamente nos cumprimentos, participam dos programas e depois voltam para seus guetos residenciais, sem que haja o compromisso com a mudança do contexto ou a disposição de ajuda ao próximo.

Há quem diga que os cultos das mega-igrejas são momentos de diversão para uma plateia que a si mesma se limitou nos divertimentos e entretenimentos. Como muitas abominam a televisão, o cinema, o futebol, resta-lhes participar de corais, shows gospel, louvorzão, etc. Estão mais parecidos a bonecos de marionete que a seres pensantes, porque pensam e acreditam no que pedem para acreditar.

Dia destes, em uma fila, havia duas mulheres atrás de mim dizendo que o pastor da sua igreja tinha ido à sua casa e tinha mandado desmanchar a árvore de natal, porque é símbolo pagão. A outra contou que foi pedir ao pastor se podia montar a árvore e ele disse que podia, mas sem as bolas e os enfeites. Ela então disse à amiga que tinha ficado “chocha”, mas que ela não queria desobedecer à igreja. Como diagnosticaria Tillich, trata-se de heteronomia e não autonomia. Seres guiados pela cabeça de outros e não pelas suas próprias crenças.

Tal como já disse em postas anteriores, este é um processo de “des-individuação”, de despersonalização. Ao invés de se colocar diante de Deus como Tu que dá identidade e individualidade, ela terceiriza a responsabilidade para o guru religioso e se coloca diante de um “tu” menor e grotesco, muitas vezes semi-alfabetizado. O colocar-se diante do Tu divino é pavoroso, porque diante da santidade. Isto foi o que aconteceu ao profeta Isaías e a Moisés quando estiveram diante de Deus. Isto foi o que o teólogo Rudolf Von Otto disse ser o “numinoso”.

No Natal este encontro se deu e se dá. É o tempo para estar diante do Tu divino e ser confrontado, exigindo de cada um a sua posição e decisão. Não se terceiriza este encontro e esta responsabilidade. Mas a moderna fé e marketing, retiraram o Tu e colocaram o Papai Noel como centro das comemorações. Tal como na experiência religiosa aqui considerada, somos colocados diante de um ser grotesco que não nos individualiza, antes nos comercializa e objetifica. Deixamos de ser humanos e passamos a ser consumidores. Nas mega-igrejas o processo é o mesmo: consumidores de um espetáculo religioso! A comunhão vai para o espaço. Cede espaço à concentração, à multidão!

Marcos Inhauser

Nenhum comentário:

Postar um comentário

ESTADO ESQUIZOFRÊNICO

Não é de hoje que falo, escrevo e protesto contra o Estado brasileiro nos seus diversos níveis. Há nele um aperfeiçoamento célere quando s...