A vinculação da figura real com a divindade é histórica. Para citar os mais conhecidos, os faraós é um título que foi dado a eles porque a religião era central na vida egípcia. O faraó era o intermediário entre as divindades e o povo, um tipo de sacerdote real, pois representava as divindades na função de administrador civil e religioso. Para isto ou por causa disto era dono-proprietário de todas as terras do Egito, promulgava leis, coletava impostos e a defendia de invasores como comandante em chefe do exército. Ele oficiava cerimônias religiosas e escolhia os locais de novos templos, era responsável por manter a ordem cósmica, equilíbrio e justiça, o que incluía ir à guerra quando para defender o país ou atacar outros.
Outro interessante é que o termo Moisés, proveniente do Ramsés (Ra-mosés) significa gerado de Ra, o deus egípcio, ou filho de Ra. Era a divinização. Disto decorria que os faraós só podiam se casar com gente também “divinizada”, sendo recorrente o casamento consanguíneo, o que produziu inúmeros problemas nos filhos, com deformações decorrentes da consanguinidade, bem assim a morte prematura de Tutancâmon, e como se tem atestado em vários outros corpos de personagens reais do Egito.
Mais tarde apareceram os Césares, no Império Romano. César (e seu plural Césares), é um título imperial. Ele provém do cognome de Caio Júlio César, o ditador de Roma. Curioso é que este nome de família passou a ser usado por outros imperadores aproximadamente entre 68-69 d.C, quando se teve o "Ano dos quatro imperadores". Era um título que correspondia aos imperadores e assistentes dos “Augustos”, título usado em razão de ser associado diretamente aos deuses.
No período do absolutismo europeu, os reis eram “reis-sóis”. No século XVII apareceram as teorias do Direito Divino dos Reis, uma formulação que era a resposta aos poderes dos barões feudais, da Igreja Católica e da Reforma. Pensadores europeus, estatocratas, conceberam uma "terceira via" no dualismo Império e Papado. Defenderam uma teoria que afirmasse a autoridade e legitimidade dos monarcas colocando-os acima da nobreza, clero e protestantes.
Como resposta à guerra civil entre católicos e huguenotes, a partir da repercussão da Noite de São Bartolomeu que ensanguentou Paris em 1572, surgiu a obra de Jean Bodin "Seis Livros da República" que defendia a integridade da soberania monárquica, a necessidade da concentração do poder nas mãos de um rei, cuja autoridade perpétua e ilimitada, não podia ser contestada. Seu poder provinha diretamente de Deus, exercendo "um poder supremo separado das leis".
Cito estes três exemplos porque muito conhecidos e, entendo, os mais explícitos. A moda se perpetuou em outras aparições. Em 1988 escrevi um artigo mostrando o caráter messiânico que Pinochet via na sua ditadura. Acompanhei, inclusive visitando a Guatemala durante o (des)governo de Ríos Mont, que aos domingos ia à rede de TV orar pela nação, enquanto as Forças Armadas promoviam matanças na região norte do país. Muitas igrejas evangélicas o apoiaram acreditando e pregando que ele era o sucessor do rei Davi. Outras vertentes desta tendência tem sido a candidatura de pastores e bispos de igrejas independentes, que postulam sua messianidade para obter os votos.
No Brasil a religião se transformou em partido político e usou cultos e manipulação para eleger mais de uma dezena de parlamentares federais, outros tantos nas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. Agora exercem pressão para que um nome terrivelmente evangélico seja ministro do STF.
São versões modernas da divinização do poder.
Marcos Inhauser
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