Na primeira fase da adolescência fui morar na América Central, em El Salvador. Uma decepção. Não havia culto de vigília, poucos fogos, nenhum baile.
Na segunda fase, uma nova experiência: os bailes de reveillon. Era uma festa para a qual a gente se preparava com antecedência; guardar dinheiro para comprar a mesa, escolher o clube onde se passaria o reveillon, os companheiros e as paqueras.
Desta época me lembro da “Baixinha”, mãe do Kico, da Cuca e do Nei, e de tantos outros que havia colocado no meu círculo íntimo de amizades. Ela fazia questão de levar para o baile uma travessa com lentilha e servia para todos nós uma colherada do seu prato, dizendo que era para dar sorte. Era uma festa: em meio ao baile e no meio do salão, lá estávamos nós comendo lentilha!
Mais tarde, como pastor de igreja, voltei à prática dos cultos de vigília, dos quais participava, agora mais por força da tradição e da função que por convicção. Achava que toda a festa ao redor da passagem de ano tinha algo de místico, um resquício dos cultos agrários da antiguidade, um quê de mágico, como se de um dia para outro todas as coisas se renovassem.
Mais tarde fui morar no Equador. Uma nova experiência, talvez a mais gostosa de todas elas: as famílias fazem bonecos com roupas velhas, o caracterizam como querem e muitos o fazem como políticos, colocam o boneco de manhã na frente da casa e as crianças começam a cobrar pedágio de quem passa, pedindo dinheiro para enterrar o velho (o ano que está morrendo). À meia-noite é a festa: com fogos e muitos gritos de festa, os bonecos são queimados. No dia seguinte, com o dinheiro arrecadado, as crianças saem para tomar sorvete, comer um sanduíche ou pizza. Foram quatro anos deliciosos.
A próxima etapa foi os Estados Unidos. Uma decepção. No primeiro reveillon que lá passamos, fomos à casa de uma família amiga que nos havia convidado. Às dez da noite fomos dormir, como se nada de diferente estivesse acontecendo. Nossa filha mais velha que estava em outra casa, também teve a mesma experiência. No próximo ano, preferimos ficar entre nós para ver se acontecia algo. Não aconteceu nada, porque não havia ninguém à nossa volta que tivesse a tradição de comemorar ou festejar a data.
Mais tarde eu estava na China. Com exceção de alguns estrangeiros, ninguém mais celebrava o reveillon por aqui. O calendário chinês prevê o início do ano em outra data (em fevereiro). Aí, então, se celebra o novo ano durante uma semana com as mais variadas festas e comidas, e com os mais novos celebrando o respeito pelos mais velhos.
Várias formas de se celebrar o fim de um ano e o início de outro. Faz parte do ser humano a necessidade psicológica de achar que de tempos em tempos as coisas ficam para trás e que as esperanças se renovam. Nos cultos agrários até os deuses morriam no último dia do ano e renasciam revigorados no primeiro dia do novo ano. Necessitamos da esperança de que as coisas velhas passem e que tudo se faça novo. Para os cristãos isto é especialmente verdadeiro em Cristo Jesus.
Necessitamos de esperança em meio às tragédias que vivemos: pandemia agravada pela incúria governamental, chuvas agravadas pelas disputas políticas (o governo da Bahia é do PT e não querem levantar a bola para ele), o de Minas é mais bem relacionado com o governo central. Se é verdade que as chuvas estão se movendo e atingirão o estado de São Paulo, com certeza, a ajuda federal será escassa. A vacinação infantil entrou em estado de colapso com exigências novas e sem pé nem cabeça.
Há que celebrar neste final de ano?
Marcos Inhauser
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