6/28/2021

OS RACIONAIS DO DISCIPULADO

A sequência é obrigatória; prega-se o sermonete evangelístico, faz o apelo, ora-se pedindo para Jesus entrar no coração, discipulado. O padrão é aceito sem questionamentos. Há quem argumente que a falta de crescimento das igrejas se deve ao fato de que os convertidos não são discipulados.

Vamos por partes. Lembro-me de haver lido (não lembro a fonte), há muito tempo, que foi feito um levantamento de todas as campanhas de Billy Graham, Luiz Palau, Yiye Ávila e outros renomados evangelistas que andaram pela América Latina e tiveram multidões indo à frente ou levantando a mão para “aceitação de Jesus”. Somados todos, poder-se-ia dizer que toda a América Latina havia aceitado a Jesus.

O estudo perguntava: onde estão os que se “converteram?”. Resposta: “faltou discipulado!”, mas não é esta a prática das igrejas conversionistas: a pessoa que levanta a mão ou vai à frente é “convidada” para ir a uma sala com uma pessoa da igreja, que o parabeniza, pega os dados e endereço e oferece a ele “estudos bíblicos” para continuidade do processo. No mais das vezes, escalam um membro da igreja para ser o responsável pelo crescimento espiritual do neófito. Uma versão aparentada desta prática é a classe de catecúmenos ou de novos crentes que as Igrejas mantêm em suas Escolas Dominicais.

A pergunta que paira é: quantos deles realmente ficam na igreja? O que está errado? Não seria a própria prática do “discipulado?” Explico-me.

Ainda que se diga e enfatize que a salvação é um aceito que se faz na aceitação de Jesus, entende-se e pratica-se a salvação processual. Ela “se salva” com a oração, mas precisa entrar em um processo de crescimento. Sem isto, a salvação perde sua valia. E como se faz este processo? Por um processo de transferência bancária de conhecimentos doutrinários. Há um neófito que nada sabe e que deve receber depósitos regulares de novos conhecimentos conceituais sobre a vida cristã. O discipulado é, assim, um processo de inculturação doutrinária. Feito por alguma outra religião, os mais ligeiros nos juízos chamariam de “lavagem cerebral”. Há quem disse que converter-se é trocar o idioma: a pessoa passa a aprender a falar o cristianês, e quanto mais fluente se torna no novo idioma, mais espiritual é.

Este tipo de discipulado parte do pressuposto de que todos têm a capacidade de absorver os mesmos conhecimentos na quantidade estipulada pelos manuais de discipulado. Não considera as formação, a vivência, os traumas, os óbices que teve na vida. É um tratamento de rebanho.

Pelo discipulado estabelece-se uma métrica da espiritualidade pela obediência a certos padrões: orações diárias, leituras regulares e constantes da Bíblia, memorização de textos assignados, frequência assídua aos cultos, contribuição dizimal. A não observância ao planejado rotula-se como crente carnal.

Tenho para comigo que o discipulado é convivência e mentoria peripatética, gradual segundo as necessidades havidas. Discipulado se faz na comunhão, no respeito à diferença e à luz que cada qual tem. Não é pré-planejado, mas espontâneo. Não é impositivo, mas dispositivo no sentido de estar à disposição para quando dele se necessitar. Não é marcha unida (no sentido de todos batendo o mesmo pé esquerdo ao mesmo tempo sob um comando), mas é caminhada na trilha da vida, onde os mais hábeis ajudam e esperam os mais lentos.

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