2/15/2022

DA INTENÇÃO À AÇÃO

 “Se eu fosse príncipe ou legislador, não perderia meu tempo dizendo o que deve ser feito. Haveria de fazê-lo ou calar-me” (Rousseau, J. Os Pensadores. O Contrato social. Abril Cultural, 1978, p. 21)

“Falaremos contra as leis insensatas até que sejam reformadas, e, entrementes, nos submeteremos a elas. Aquele que por sua autoridade privada infringe uma lei má, autoriza qualquer outro a infringir as boas. Há menos inconveniente em ser louco entre loucos que ser sábio sozinho” (Diderot. Os Pensadores. Suplemento à Viagem a Bougainville. Abril Cultural, 1978, p. 157)

“Como cristãos, devemos saber que a autoridade da lei é a única proteção possível contra a usurpação da autoridade por um ditador ou demagogo. O cristão não rejeita a autoridade, mas tenta vê-la em referência a Cristo, que é a fonte de toda a autoridade legítima e tem sua origem em Deus e é justificada pela dependência dele” (Forell, G. Ética da Decisão. Ed. Sinodal, 1973, p. 159).

Três pensamentos sobre a relação do governante com a lei. Rousseau, se levado ao pé da letra, daria azos para que o poderoso de plantão decretasse qualquer lei que quisesse. A ideia do governo tripartite (legislativo, executivo e judiciário) embrionariamente proposta por Platão, foi desenvolvida por Montesquieu (1689). Ocorre que Diderot, ou não conhecia Montesquieu e suas ideias ou não as aceitava. Ele sugere um governante que exerce o legislativo e o judiciário em sua função executiva.

Para Diderot, no entanto, a obediência se deve prestar, mas ela não exclui a crítica e tentativa de reforma das leis más. É dever do cidadão tentar e trabalhar pelas mudanças das leis iníquas. Ao fazer a distinção entre leis más e boas, ele coloca uma gradação nelas e afirma que a quebra da lei má pelo governante incentiva que os demais quebrem também as leis boas. Se deputados, senadores, presidente e filhos do presidente desobedecem às leis (boas e más), toda a população se sente autorizada a também infringí-las.

Para tanto existe o Judiciário que, no seu papel de regulador e pelo uso do poder coercitivo, exige que todos cumpram as leis. Questionar o papel do Judiciário no seu rol de mantenedor do arcabouço jurídico é dar sinais de que, ou se questiona a justiça das leis, ou se busca estar acima delas. Uma das tentativas dos protoditadores é interferir no Judiciário, nomeando juízes que lhe façam o que querem. Assim foi na Venezuela e está sendo na Nicarágua, para citar dois países latino-americanos. Assim foi no golpe de 64, quando o STF teve ministros substituídos ao prazer dos ditadores.

Forell traz uma perspectiva cristã de obediência para que os rasgos autoritários sejam minimizados. Obedece-se às autoridades a partir da sua análise despe a ótica dos ensinamentos de Cristo, que á fonte da autoridade legítima. Se os atos, falas, planos e ações do governo vão contra os ensinamentos bíblicos de ser pacificados, de que “no depender de vós estejais em paz com todos”, “seja sua palavra sim, sim e não, não, pois o que passar disto é de procedência maligna” e todo um universo de orientações que devem nortear as ações de um governante que se diz cristão e mesmo os não cristãos.

Esta é tônica central da sabedoria jesuânica. Obedecer aos princípios e renegar quem os desobedece é ser sábio em meio à uma multidão que assim também procede. Ocorre que tem gente que se julga o único sábio no mundo e afirma que a Amazônia não pega fogo porque a floresta é úmida.

Marcos Inhauser

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