Estamos acostumados a ver o Natal a partir da ótica que as igrejas cristãs no-lo apresentam e criticamos a exploração comercial que dele se faz. Há contudo, algumas dimensões do Natal que merecem ser consideradas. Quero levantar alguns destes aspectos.
1 - A expectativa messiânica versus a cegueira nacional
Durante muito tempo, por causa das provações e privações que a nação de Israel passou, especialmente por causa do exílio e das invasões e domínio por outros povos, surgiu em Israel uma expectativa messiânica muito forte. Esperavam o aparecimento daquele que se sentaria no trono de Davi e traria a liberdade e a paz. Neste período também surgiu em Israel um novo gênero literário chamado apocalíptica que animava o povo com a esperança do Messias e da restauração nacional. Ocorre que havia uma defasagem entre a expectativa e a forma como os fatos se deram. A vinda do Messias deu-se de forma diferente daquela que donos da religiosidade judaica anunciavam. Por esperarem os acontecimentos de uma determinada forma, estiveram cegos para a concretização da expectativa messiânica tal como ela se deu. Haviam determinado como seriam os fatos relativos à vinda do Messias e não lograram ver que as coisas se davam em uma outra dimensão.
O mesmo ocorre hoje em dia. Muitos há que determinam como Deus atua, sendo tão incisivos, que podem se tornar cegos para a forma como Ele atua. Um versículo que poucas vezes se estuda neste contexto é o de Jo. 3:8 “O vento sopra onde quer, ouve-se a sua voz, mas não se sabe de onde vem, nem para onde vai”. Este texto coloca a imprevisibilidade e a independência da ação de Deus. Foi assim no primeiro Natal: Ele quis que fosse um casal simples, que nascesse em uma manjedoura, que fugissem para o Egito para não ser morto pelo invasor romano (Herodes). Assim é até hoje. O Natal é a advertência de que Deus não age segundo o que os religiosos ditam ou determinam. Ele faz da forma como quer, sem ter que pedir licença a ninguém, nem tem que dar explicações a quem quer que seja.
2- O machismo imperante e a ação de valorização da mulher.
A sociedade nos tempos do nascimento de Jesus era extremamente machista. Mulheres e crianças não eram contadas para nada. O homem julgava ser superior àquela que Deus lhe deu por companheira. No entanto, Deus dá uma volta neste machismo: decide suscitar descendência à mulher sem o concurso do homem. Em outras palavras, era uma forma de dizer: O Messias que dou para salvar a humanidade virá da parte considerada fraca pela sociedade ¾ a mulher. Entendido no contexto social daquela época, isto era altamente humilhante para o todo suficiente homem. Na história de Jesus, o pai de Jesus, José, entra como acessório, como apêndice, não como parte substantiva. Desta forma, o Natal é um evento de valorização dos fracos, desprezados, débeis, marginalizados, inferiorizados. O Natal só é verdadeiramente celebrado quando nos damos conta desta verdade: Jesus veio para valorizar a mulher massacrada que estava pela estrutura cultural imperante. Ele o fez através de Maria, das irmãs de Lázaro, da Samaritana, da mulher que lhe ungiu os pés, das mulheres que foram buscá-lo no túmulo.
3 - A subversão dos valores dominantes
À parte do exposto anteriormente, há que acrescentar-se que, na história de Jesus, há uma sucessão de fatos que mostram o compromisso de Deus em subverter os valores sociais e políticos vigentes. Ele não escolheu a capital do império, Roma, para nascer. Nem mesmo a capital de um povo subjugado (Jerusalém). Antes preferiu a pequenina e esquecida Belém. Não nasceu em um palácio, mas preferiu a estrebaria. Não usou de carruagens para suas locomoções, fazendo-o a pé ou em um jumento. Não começou o seu ministério em um estádio repleto, mas em um casamento mal planejado, onde faltou vinho. Não foi aos poderosos pedir favores, antes, quando convidado por um deles, mandou um recado nada diplomático: “Diga aquela raposa que eu expulso demônios”. Jesus não “seguiu a onda” dos valores dominantes. Não se deixou levar pelo entusiasmo com o número dos seus seguidores, antes ficou com apenas doze discípulos. Atendeu gente humilde, sofrida, desprezada. O nascimento e ministério de Jesus Cristo têm sido negados por muitos dos seus seguidores, que preferem as grandes concentrações, a aparição esteticamente planejada das televisões, os cafés-da-manhã com os poderosos de plantão. O filho do carpinteiro de Nazaré é, na versão moderna, o “Super-Star”, frase mágica para as riquezas fáceis dos mercadores da Palavra. Já não é o Cristo com a toalha a lavar os pés dos discípulos, nem aquele que não tinha onde reclinar a cabeça. O elemento sacrificial do “tomar a cruz para segui-Lo” cedeu lugar à prosperidade decorrente do discipulado. O Cristo que alertou que teríamos sofrimento foi substituído pelo Cristo do sucesso empresarial e financeiro.
4 - A prática da exclusão e a prática da inclusão.
Os tempos de Jesus eram marcados por fortes controvérsias religioso-políticas. Fariseus, saduceus, herodianos, zelotes e essênios se excluíam mutualmente, cada qual julgando ser a única fonte de verdade e salvação. O nascimento de Jesus se dá num contexto religioso (os anjos anunciam o Seu nascimento) mas nenhum destes grupos foi privilegiado. Em Seu ministério Jesus não foi fariseu, nem saduceu, e até hoje não se pôde provar que tenha sido essênio ou zelote. Mas entre os que Ele chamou, teve o cuidado de incluir pessoas vindas dos mais variados estamentos sociais e religiosos. Com isto, deixou de lado a prática exclusivista e sectária, e praticou um inclusivismo abrangente, colocando lado-a-lado no colégio apostólico a publicanos e zelotes, inimigos políticos.
Hoje em dia, a prática sectária é comum e muito atuante. Há denominações que se vêem umas às outras como inimigas. Exclui-se a este ou aquele do círculo de amizade por ter esta ou aquela posição teológica. A cooperação entre as diferentes correntes teológicas é algo que se faz em pequenos círculos. Vivemos épocas em que é mais fácil salientar as diferenças que trabalhar pela unidade do Corpo de Cristo.
5 - A racionalidade científica e o milagre da fé.
No Natal até as virgens dão à luz. O fenômeno do nascimento de um ser humano sem a participação do sêmen masculino é algo que se pode atribuir ao gênero literário ou à licença poética. A fecundação de Maria tem, no entanto, sua lógica: se Jesus Cristo, para ser o Salvador da humanidade, precisava ser humano (a parte de Maria), deveria nascer entre eles. Por outro lado, se a salvação por Ele conseguida tinha que ser eterna, devia ser também divino (a parte do Espírito Santo), conciliou em si mesmo as naturezas humana e divina. Isto nos mostra que Deus é o Deus dos impossíveis, que tem um compromisso com o ser humano a ponto de fazer-se um deles.
Estes aspectos nos levam a pensar que o Natal é algo mais que uma celebração, onde uma mesa é servida, presentes são trocados e desejos de felicidade e sucesso são mutuamente transmitidos. O Natal, nesta dimensão não é algo a ser celebrado em um só dia, mas algo que tem a ver com todos os demais dias e áreas da vida humana. Não de se trata de uma celebração, mas de um estilo de vida. Não é celebração, é compromisso.
Marcos Inhauser
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