2/15/2022

NATAL: A CELEBRAÇÃO DA FALTA DE ESPAÇO

O relato evangélico narra que Jesus nasceu em uma manjedoura porque não havia lugar nas hospedarias para seus pais. A falta de espaço marcou o primeiro evento do Natal e, parece-me, deu a tônica das demais celebrações.

Não gosto deste período do Natal. Tenho para comigo que a falta de espaço é a coisa mais encontradiça nestes dias. Se vou ao centro da cidade, não encontro espaço para estacionar o carro nas ruas e nem mesmo nos estacionamentos. Se procuro andar pelas ruas centrais, me defronto com a realidade de ir trombando e lutando para poder caminhar em meio a tanta gente que, como eu, procura espaços. Se vou ao restaurante, encontro mesas e mais mesas ocupadas por gente de empresas em jantares de confraternização e lá fico eu esperando que haja espaço para poder me acomodar e comer. Se vou ao shopping, não há espaço para estacionar o carro, não há espaço para andar, não há mesas vazias para se sentar e comer.

Na televisão há uma invasão de filmes dedicados ao tema, mas não há espaço para a criatividade. É uma repetição eterna das mesmas coisas. Já assisti ao mesmo filme umas três vezes e não o fiz mais não porque não fosse reapresentado.

Se fico em casa, sou bombardeado por uma infinidade de vezes que a campainha toca. É gente pedindo um presente de Natal. Já recebi cartões de uns cinco lixeiros, dois varredores de rua, um que diz que tapa buracos, outro que limpa as ruas, outro que conserta placas de trânsito, mais um que coleta papelão e vidros do meu lixo. Há ainda (e destes não recebi nenhuma solicitação) os carteiros e guardas noturnos. É um presente obrigatório que a gente tem que dar. Há que se considerar também que a educação manda retribuir cartões recebidos, presentes ganhos, telefonemas recebidos.

Mais, e por paradoxal que possa parecer, as igrejas inflam suas programações, esperando que os fiéis se façam presentes a todas elas. Ao invés de encorajar o tempo em família, promovem eventos, cantatas, dramatizações, apresentações de filmes, que roubam o tempo da família, que fica sem tempo e espaço para celebrar. Na hora de se sentar à mesa para a ceia de Natal, descubro que falta lugar porque há mais gente do que se pode acomodar à mesa.

Não é à toa que o que mais se ouve nestes dias é o desejo de que o ano acabe o quanto antes. Há um quê mágico no dia 31 de dezembro e primeiro de janeiro: tudo começa novo. E na cultura brasileira (graças a Deus) a grande maioria começa com férias. Nisto somos mais privilegiados que os habitantes do hemisfério norte. Começamos o ano descansando. O problema é que tem gente que estende isto e descansa o ano inteiro. Uns por preguiça, outros por inépcia governamental que não dá condições para que haja emprego. Para estes não há espaço para trabalhar. Para estes não há espaço para sonhar. A dura realidade da vida sem emprego e salário não dá espaço para o sonho e a fantasia.

Se isto é Natal, não gosto dele. Há pouco tempo e espaço para celebrar, para curtir a maior história de amor que a humanidade viu e ouviu. Quero um Natal para deitar na rede, para brincar com filhos e netos, para ouvir música natalina, para comer sem me empanturrar. Quero um Natal que me permita comer pão com mortadela e não me obrigue a comer peru e leitoa assada. Quero beber limonada e não champagne ou coca-cola. Quero um Natal de manjedoura e não de palácio.

Marcos Inhauser

 

 

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