2/15/2022

NA RESSACA DO NATAL

Acaba mais uma celebração de Natal. Os mais puristas dirão que lá se vão mais de dois mil anos de celebrações. Outros, mais atentos e analíticos, questionarão, considerando que não há indícios de celebração do Natal nos primórdios da Igreja e que mesmo a data do nascimento nunca se conseguiu precisar e o que se celebra é uma convenção.

Há quem coloque o início das celebrações no século IV, a partir da figura de Nicola, nascido em Pátara – Ásia Menor, figura reverenciada por diferentes tradições cristãs. Com idas e vindas na história de Nicolau, que acabou virando santo e bispo de Myra, a tradição de São Nicolau, que envolvia o distribuir presentes na noite de natal, se expandiu pela Europa no século XII. Quinhentos anos depois, os holandeses levaram esta tradição aos Estados Unidos, e também se difundiu por toda a América Latina.

Inicialmente Papai Noel distribuía os presentes montado em um cavalo. Mais tarde o escritor Clement Moore colocou o São Nicolau em um trenó puxado por renas. Mas foi a Coca-Cola quem, em 1931, fez uma campanha natalina, onde o personagem ganhou roupa vermelha, barba e enorme barriga.

Muito se escreveu criticando esta celebração do Natal onde o Papai Noel tem maior importância que o nascido, onde os presentes falam mais alto que a mensagem do nascimento de Jesus, a comilança toma espaço da fraternidade.

Há, no entanto, algumas coisas que devem ser consideradas depois que a festa acaba. Não há na cultura brasileira e, quiçá, na cultura ocidental, outro evento social que produza mais encontros familiares e de conhecidos, que promova mais tempo à mesa, mais confraternização, mais generosidade, mais perdão que o Natal. Que outro momento se tem tanta gente saindo de suas casas para visitar pais e parentes, para ter um tempo em família? Que outro evento provoca mais tempo à volta de uma mesa para uma refeição comunal? Talvez alguns citem o Thanksgiving estadunidense, mas ele tem um demérito: parte da tarde todos se sentam à frente da televisão para ver o Super Bowl. No Brasil e América Latina nem futebol tem. A televisão é de uma pobreza indescritível e o melhor é ficar conversando que ver o que passam.

Que outro evento produz mais giro no mercado, mais movimentação nas lojas, mais generosidade nos presentes, mais empregos, mais desejos de felicidade mesmo expressos a desconhecidos? Que outro evento produz mais gente engajada em solidariedade distribuindo presentes e comida aos mais necessitados, cânticos corais com apresentações nos mais variados espaços? Que outro evento inspirou tantos compositores a compor músicas, algumas que são obras primas da humanidade, como, por exemplo, o Aleluia de Haendel?

É verdade que houve quem bebeu e se excedeu no Natal. É verdade que tem gente de ressaca hoje. É verdade que tem gente que vai levar alguns meses para pagar os presentes que comprou e outros a comida que colocou sobre a mesa. Mesmo assim, nunca vi alguém reclamar da celebração do Natal. Há algo de mágico nele e sua comemoração. Tenho para comigo que o mágico é a mesa. O comer juntos é a prática mais antiga da humanidade. Já li o Yuval Harari, o Reza Aslam, o Jared Diamond e o Domenico de Masi em suas incursões sobre a história da humanidade. Não vi neles uma ênfase no comer juntos como elemento formador da comunidade, ainda que isto seja tão antigo como o ser humano. Comer juntos é compartilhar, é dar do que se tem, é beneficiar o outro com o alimento. Isto também se faz no Natal e assim se retoma a prática mais antiga da humanidade!

Com seus possíveis defeitos o Natal ainda é uma celebração maravilhosa, sem igual. Como nada é perfeito, a celebração deve continuar no que pese os possíveis exageros.

Marcos Inhauser

Nenhum comentário:

Postar um comentário

ESTADO ESQUIZOFRÊNICO

Não é de hoje que falo, escrevo e protesto contra o Estado brasileiro nos seus diversos níveis. Há nele um aperfeiçoamento célere quando s...