O clássico texto sobre o amor que Paulo escreveu aos Coríntios, na quase totalidade das vezes pinçado fora do seu contexto, tem sido usado como inspiração para poesias, músicas, sermões (especialmente nos casamentos) e até para cobranças conjugais em suas DRs.
O que se deixa de notar é que ele está em um contexto de uma epístola que tem textos precedente e subsequente, e que o sentido do amor e sua aplicabilidade deve dar-se nos contextos referidos. Ele está inserido entre dois textos que, no precedente trata das relações pessoais, e no subsequente das relações públicas.
Deve-se notar que ele, ao trabalhar a diversidade dos dons no seio da igreja, afirma que “há muitos membros, mas um só corpo. Não podem os olhos dizer à mão: Não precisamos de ti; nem ainda a cabeça, aos pés: Não preciso de vós. Pelo contrário, os membros do corpo que parecem ser mais fracos são necessários; e os que nos parecem menos dignos no corpo, a estes damos muito maior honra; também os que em nós não são decorosos revestimos de especial honra. Mas os nossos membros nobres não têm necessidade disso. Contudo, Deus coordenou o corpo, concedendo muito mais honra àquilo que menos tinha, para que não haja divisão no corpo; pelo contrário, cooperem os membros, com igual cuidado, em favor uns dos outros. De maneira que, se um membro sofre, todos sofrem com ele; e, se um deles é honrado, com ele todos se regozijam” (ICo 12). Esta interdependência dos membros só é possível pela existência do amor que conecta e funde todos em um só corpo.
Ao dimensionar o exercício dos dons no conjunto dos membros da igreja ele o faz dizendo que “quem fala em outra língua não fala a homens, senão a Deus, visto que ninguém o entende, e em espírito fala mistérios. Mas o que profetiza fala aos homens, edificando, exortando e consolando. O que fala em outra língua a si mesmo se edifica, mas o que profetiza edifica a igreja. Eu quisera que vós todos falásseis em outras línguas; muito mais, porém, que profetizásseis; pois quem profetiza é superior ao que fala em outras línguas, salvo se as interpretar, para que a igreja receba edificação. Agora, porém, irmãos, se eu for ter convosco falando em outras línguas, em que vos aproveitarei, se vos não falar por meio de revelação, ou de ciência, ou de profecia, ou de doutrina? É assim que instrumentos inanimados, como a flauta ou a cítara, quando emitem sons, se não os derem bem distintos, como se reconhecerá o que se toca na flauta ou cítara? Pois também se a trombeta der som incerto, quem se preparará para a batalha? Assim, vós, se, com a língua, não disserdes palavra compreensível, como se entenderá o que dizeis? Porque estareis como se falásseis ao ar. Há, sem dúvida, muitos tipos de vozes no mundo; nenhum deles, contudo, sem sentido. Se eu, pois, ignorar a significação da voz, serei estrangeiro para aquele que fala; e ele, estrangeiro para mim. (ICo 14). Há nestas recomendações o agir com amor para que o outro seja beneficiário do dom.
O amor não é algo que se exige do outro. Não há como editar uma lei dizendo que todos devem amar. Ainda que a Bíblia o faça, o faz como recomendação e não como obrigação. O amor é algo que a pessoa deve ter: amor. Nada e ninguém fabricará isto no outro. O amor é fruto da ação do Espírito na vida da pessoa, pois Paulo também ensina que “o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi outorgado” (Rm 5:5).
Cobrar que alguém me ame é pedir o impossível. Posso fazer gestos de amor pelo outro, na esperança de que me ame, mas nunca posso ou devo exigir dele reciprocidade no sentimento.
Marcos Inhauser
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