6/28/2021
OS BUROCRATAS DO BATISMO
A prática do batismo foi ganhando, no processo histórico, condicionantes. A Didaquê, escrito da Igreja Primitiva e que é um manual para o batismo, traz algumas recomendações sobre os conhecimentos que o batizando deveria ter e a forma de se batizar “Quanto ao batismo, procedam assim: Depois de ditas todas essas coisas, batizem em água corrente, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Se você não tem água corrente, batize em outra água; se não puder batizar em água fria, faça-o em água quente. Na falta de uma e outra, derrame três vezes água sobre a cabeça, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Antes do batismo, tanto aquele que batiza como aquele que vai ser batizado, e se outros puderem também, observem o jejum. Aquele que vai ser batizado, você deverá ordenar jejum de um ou dois dias”
Da história do eunuco relatada em Atos às recomendações da Didaquê (que surgiu entre os anos 60 e 90 dC.), percebe-se um processo de burocratização do batismo. O que João Barista praticou, o que Filipe fez e o que agora se recomendava mostra um processo de criar exigências. O ato simples e humilde de realizar um ato externo de evidência de uma decisão interna foi ganhando ares de pompa, onde o poder episcopal e eclesial foi determinando quem podia ou não ser batizado.
As exigências cresceram e se tornaram regras nos cânones. O batismo hoje é para os iniciados e conhecedores de parte dos catequismos doutrinários denominacionais.
O ato espontâneo de João Batista e Filipe foi institucionalizado.
OS RACIONAIS DO DISCIPULADO
A sequência é obrigatória; prega-se o sermonete evangelístico, faz o apelo, ora-se pedindo para Jesus entrar no coração, discipulado. O padrão é aceito sem questionamentos. Há quem argumente que a falta de crescimento das igrejas se deve ao fato de que os convertidos não são discipulados.
Vamos por
partes. Lembro-me de haver lido (não lembro a fonte), há muito tempo, que foi
feito um levantamento de todas as campanhas de Billy Graham, Luiz Palau, Yiye
Ávila e outros renomados evangelistas que andaram pela América Latina e tiveram
multidões indo à frente ou levantando a mão para “aceitação de Jesus”. Somados
todos, poder-se-ia dizer que toda a América Latina havia aceitado a Jesus.
O estudo
perguntava: onde estão os que se “converteram?”. Resposta: “faltou discipulado!”,
mas não é esta a prática das igrejas conversionistas: a pessoa que levanta a
mão ou vai à frente é “convidada” para ir a uma sala com uma pessoa da igreja,
que o parabeniza, pega os dados e endereço e oferece a ele “estudos bíblicos”
para continuidade do processo. No mais das vezes, escalam um membro da igreja
para ser o responsável pelo crescimento espiritual do neófito. Uma versão
aparentada desta prática é a classe de catecúmenos ou de novos crentes que as
Igrejas mantêm em suas Escolas Dominicais.
A pergunta
que paira é: quantos deles realmente ficam na igreja? O que está errado? Não
seria a própria prática do “discipulado?” Explico-me.
Ainda que
se diga e enfatize que a salvação é um aceito que se faz na aceitação de Jesus,
entende-se e pratica-se a salvação processual. Ela “se salva” com a oração, mas
precisa entrar em um processo de crescimento. Sem isto, a salvação perde sua
valia. E como se faz este processo? Por um processo de transferência bancária
de conhecimentos doutrinários. Há um neófito que nada sabe e que deve receber
depósitos regulares de novos conhecimentos conceituais sobre a vida cristã. O
discipulado é, assim, um processo de inculturação doutrinária. Feito por alguma
outra religião, os mais ligeiros nos juízos chamariam de “lavagem cerebral”. Há
quem disse que converter-se é trocar o idioma: a pessoa passa a aprender a
falar o cristianês, e quanto mais fluente se torna no novo idioma, mais
espiritual é.
Este tipo
de discipulado parte do pressuposto de que todos têm a capacidade de absorver
os mesmos conhecimentos na quantidade estipulada pelos manuais de discipulado.
Não considera as formação, a vivência, os traumas, os óbices que teve na vida.
É um tratamento de rebanho.
Pelo
discipulado estabelece-se uma métrica da espiritualidade pela obediência a
certos padrões: orações diárias, leituras regulares e constantes da Bíblia,
memorização de textos assignados, frequência assídua aos cultos, contribuição
dizimal. A não observância ao planejado rotula-se como crente carnal.
Tenho para comigo que o discipulado é convivência e mentoria peripatética, gradual segundo as necessidades havidas. Discipulado se faz na comunhão, no respeito à diferença e à luz que cada qual tem. Não é pré-planejado, mas espontâneo. Não é impositivo, mas dispositivo no sentido de estar à disposição para quando dele se necessitar. Não é marcha unida (no sentido de todos batendo o mesmo pé esquerdo ao mesmo tempo sob um comando), mas é caminhada na trilha da vida, onde os mais hábeis ajudam e esperam os mais lentos.
FÉ NA ETERNIDADE
Venho trazendo alguns questionamentos sobre a “vida cristã”. Neste meu refletir, devo dizer que sempre me preocupou a insistência de “pregadores iletrados” em relacionar a fé à eternidade, seja no paraíso, seja no inferno. Para estes, a fé é o salvo conduto para o céu e, por isto, o cristão deve estar “lendo os sinais do tempo”.
Preocupam-se
com fatos históricos perfeitamente inteligíveis na lógica da história e da
política, mas os apontam como sinais do fim do mundo. Apesar de estarem sempre
olhando para o dia-a-dia, não lhes preocupa coisas mais costumeiras como a
pobreza, a exploração do trabalho infantil, as condições humilhantes dos
sem-teto, a invasão de terras públicas, os desmandos na área do meio ambiente,
a corrupção. Falam de missões e evangelização, mas nunca de obter conhecimento
científico. Envolver-se com estas questões é “coisa mundana”.
Leem
miopemente os textos apocalíticos herméticos, mas se recusam a se debruçar
sobre dados de pesquisas sérias sobre a desigualdade no mundo, a quantidade
crescente de pessoas fugindo de seus países, dados sobre os gastos militares,
as condições sub-humanas nas periferias dos grandes centros urbanos, as
políticas públicas. Nunca pensaram nos ganhos da indústria farmacêutica e os
pixulés que médicos recebem por receitar os produtos de terminado laboratórios.
Sabem de
memória e recitam uma quantidade de versículos, mas não conhecem os direitos
básicos de um cidadão brasileiro. Nunca leram e nem lerão a Constituição
Federal, por ser “perda de tempo”. Dão o endereço bíblico de um monte de
coisas, mas não conseguem citar três pontos dos DDHH.
Concordo
com o Barth: o cristão deve ter a Bíblia em uma mão e na outra o jornal. A
Bíblia não é só manual de comportamento. É guia para a leitura dos atos de Deus
na história. Como já muito bem explicou G. Ernst Wright (O Deus que Age –
ASTE), mais do que um Deus que falou, devemos olhar para a Bíblia para buscar
um Deus que age no presente. Com Oscar Culmann acredito que há uma história da
salvação. Com outros, penso que o cristão verdadeiro é o que agem na sociedade
para transformá-la. A revelação não se esgotou ao ser escrito o último parágrafo
da Bíblia, mas ela se dá nos eventos cotidianos. Deus não está engessado pelo
cânone.
Ao enfatizar a eternidade, seja para que busquem alcançar o céu, seja para escaparem do inferno, atuam em um mecanismo de defesa perpetuado pela preguiça. É melhor saber pouco e mal, do que investir muito tempo naquilo que todos dia deve ser reestudado.
VIDA CRISTÃ E VALORES CRISTÃOS
Quando questiono o conceito de “vida Cristã” e peço que me definam o que isto significa, invariavelmente recebi respostas de cunho comportamental de cunho negativo, em uma coleção de nãos: mentir, roubar, matar, dever dinheiro, adulterar, falar palavrões, dançar etc. Esta coletânea de comportamentos enlistados pela sua negativa, tem outra que se propõe ser positiva: orar, jejuar, ler a Bíblia, amar, ajudar o próximo, etc.
Nunca vi ninguém me dar algumas das características que estão no Sermão da Montanha: ser humilde, chorar, ser manso, ter fome e sede de justiça, ser misericordioso, ser limpo de coração, ser pacificador, ser perseguidos e injuriado por causa da justiça, ser caluniado.
Sendo o Sermão da Montanha considerado, quase que por unanimidade, o resumo comportamental do evangelho e a síntese amplificada do amar a Deus e ao próximo como a si mesmo, porque ele não consta da lista dos “comportamentos cristãos” que andam de boca em boca?
Será que é porque ele coloca algumas coisas que fogem ao padrão do “evangélico de sucesso”? Quando se viu um pregado motivacional evangélico e arrecadador de dízimos dizer que a vida de um cristão implica em ser humilde quando ele mesmo não é? Ou que o cristão chora, quando a sua pregação é sempre “oba, oba”? Quando você viu um pregador midiático envolvido em luta pela justiça aos mais pobres? Tente lembrar-se de um sermão que você assistiu na TV em um dos programas destas “estrelas” onde ele pediu que você fosse pacificador? E sobre ser caluniado, perseguido, injuriado. È mais fácil você se recordar que ele disse que estas coisas na sua vida são obra do demônio e que deve ser expulso em nome de Jesus.
Tornou-se padrão a leitura romântica dos evangelhos, vendendo uma vida fácil, cheia de bençãos e sem nenhuma tensão ou crise. Bem disse o Dietrich Bonhoeffer: “é graça barata”. Fico com Alexandre Mack, fundados da Igreja da Irmandade: “deve-se calcular o custo de ser cristão”.
VIDA CRISTÃ?
Pode parecer estranho, mas sempre tive meus questionamentos com o jargão “vida cristã”. O primeiro deles é que o termo “cristão” só apareceu mais tarde, quando Jesus já havia ressuscitado e assunto aos céus. Ele foi usado por primeira vez em Antioquia e o texto diz que era a primeira vez que assim eram chamados. Há indícios que eram conhecidos como “os do Caminho”.
A segunda inquietação é que o termo “vida cristã” nunca foi usado por Jesus ou pelos evangelistas. É verdade que ele falou, e muito, sobre a vida, mas nunca a adjetivou como cristã. Ele falou de “vida abundante”, de “vida eterna”. Parece que, para Jesus havia a vida, a vida abundante e a vida eterna.
Perceba que o termo “vida em abundância” está relacionado à vida: “tenham vida e vida em abundância” (Jo 10:10). O que isto significa? Deve-se notar que Jesus nunca disse que a vida seria fácil: “No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo” Jo 16:33; “Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim. Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário, dele vos escolhi, por isso, o mundo vos odeia” Jo 15:18-19). Poderia ele estar falando de abundância no sentido acima? Uma vida abundante de tensões e aflições?
Por que, para conveniência nossa, sempre lemos e entendemos que a vida em abundância é que se trata da vida prazerosa? Uma análise dos eventos jesuânicos, mostrará que na vida do Mestre houve mais momentos de prazer ou mais momentos de tensão? Ele teve uma vida abundante no sentido que os pregadores da graça barata atribuem? Pode-se dizer que a vida familiar de Jesus foi abundante no relacionamento com o pai e os irmãos?
Quando apareceu o termo “vida cristã”? Por que, a partir de determinado momento o cristianismo precisou adjetivar a vida? O que ela significa? Olhando para o Novo Testamento vemos uma continuidade da ideia do Antigo no sentido de que a vida “como vivência, princípio da vitalidade, experiência concreta de vitalidade, plenitude do poder, prazer no exercício das funções vitais”. Nestes tempos de pandemia, nós que ainda estamos vivos, estamos vivendo a plenitude da vida? Há vida abundante no luto? Como entender a expressão de “vida abundante” nestes tempos de 510.000 mortes só no Brasil e com mais de 3 milhões no mundo?
O que é vida cristã nestes tempos? Seria o termo uma variante do jargão “crente carnal” e “crente espiritual”, sendo estes os que têm vida abundante? É possível ser cristão sem ter vida cristã? A vida é cristã deve ser definida como? Ela é racional ou experiencial? Ela é conceitual ou prática? É possível ter vida cristã sem ter vida abundante? Ter vida abundante significa ter vida cristã?
Estas são algumas perguntas para você pensar. Saliento que este é um texto interrogativo e não afirmativo. Que ninguém venha me dizer que eu afirmei isto ou aquilo.
Marcos Inhauser
ESTADO ESQUIZOFRÊNICO
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