8/23/2021

“DESAFASTADOS”



Meu sogro tinha seus neologismos e um deles era este: “desafastado”. Lembrei disto quando li a pesquisa feita pelo Grupo Barna sobre as razões para o afastamento de jovens das igrejas.

Qual a razão pela qual mais da metade dos jovens cristãos abandona a igreja? A maioria deles vê a igreja como lugar pouco amigável e cheio de julgamentos. Eles alegam que a Igreja é superprotetora e exclusivista.
A juventude de hoje possui acesso a ideias e visões de mundo como nenhuma outra geração teve. Eles se sentem amadurecidos para decidir e escolher o que lhes convêm e não estão dispostos a ser tutorados.
Para muitos deles, esta tutela é sufocante porque baseada no medo e na aversão ao risco. 25% deles dizem "os cristãos demonizam tudo o que está fora da igreja, e que esta ignora os problemas do mundo real. Gastam energia falando mal de filmes, internet e certos tipos de lazer, mas não combatem as injustiças sociais.”
A segunda razão é que a igreja oferece uma experiência cristã superficial: algo falta na sua experiência com a igreja. "A igreja é chata" (31%); 25% disseram que "a fé não é relevante para a carreira profissional"; 24% acham "a Bíblia não é ensinada com clareza"; 20% disseram que "Deus parece ausente da minha experiência de Igreja".

A terceira razão é que a igreja é antagônica à ciência. Sentem a tensão entre cristianismo e ciência. As percepções mais comuns nesta área são: "Os cristãos sabem todas as respostas"(35%); 34% sentem que "as igrejas estão em descompasso com o mundo científico; 25% abraçam a ideia de que "o cristianismo é anti-ciência".

A quarta razão é que a igreja é trata o sexo é de maneira errada. Tendo acesso à pornografia digital e vivendo em uma cultura de hipersexualidade, os adolescentes cristãos estão lutando em viver vidas significativas em termos de sexo e sexualidade. Um estresse para muitos é como viver de acordo com as expectativas da Igreja (castidade e pureza sexual), especialmente porque casamento agora é adiado para mais tarde. 17% disseram que "cometeram erros e são julgados pela igreja por causa deles; 40% disseram que "os ensinamentos da Igreja sobre a sexualidade e controle de natalidade estão desatualizados.

O resultado da pesquisa foi publicado no livro “You Lost Me: Why Young Christians are Leaving Church and Rethinking Faith” [Por que os jovens cristãos estão abandonando a Igreja e repensando a fé], de David Kinnaman, que envolveu entrevistas com 1.296 jovens (norte-americanos) que são ou já foram membros de igrejas.

Parece que a igreja não se apercebeu que estamos em pleno séc. XXI, que revoluções culturais, políticas e sociais aconteceram e que não se pode estar repetindo modelos do século XVI, repetindo a Confissão de Fé de Westminster como se fosse tão sacra e infalível quanto o que creem da Bíblia. O mundo mudou com o acesso cada vez maior a todo tipo de informação, teologias e ideologias, o que faz crescer o ceticismo quanto a figuras de autoridade, incluindo o cristianismo e a Bíblia. Acrescente-se a isto os inúmeros casos de corrupção e assédio de bispos e pastores, dos bajuladores ao governo de plantão, de igrejas midiáticas fazendo politicalha para ter suas dívidas milionárias perdoadas.

Na profusão dos templos que aparecem qual tiririca no meio da plantação, fica difícil ser sério no trato das coisas da igreja. Há uma tendência de julgar o trigo como sendo joio.

Marcos Inhauser



CARISMA E ESTIGMA

Em toda família que tenha dois ou mais filhos há um Abel e um Caim. A afirmativa pode parecer ousada e dura, mas me explico.

Todas as vezes que se tiver duas ou mais pessoas juntas, seja em reunião, família ou equipe, de forma natural e não premeditada, surgirá um que se destacará como líder, como a pessoa “do bem” e outra que será a que tentará chamar a atenção sobre si com gestos, atos ou comportamento reprováveis ou estranhos. Pode também ser involuntariamente eleita como o bode expiatório de tudo quanto de mal aconteça.

Qual a família que, tendo dois ou mais filhos, não têm o que estuda sem precisar que se cobre isto dele, que arruma suas coisas, que faz o dever de casa; e outro que deixa as coisas bagunçadas, não gosta de estudar e só quer dormir até tarde?

Na história bíblica há vários exemplos: Abel e Caim, Isaque e Ismael, Jacó e Esaú. Davi era o “patinho feio” entre os irmãos, assim como José que acabou vendido a mercadores de caminho ao Egito.

Quem, trabalhando em uma empresa, não tem nela o cara que faz tudo errado, que é mole, acomodado, lento, alvo das piadas e saco de pancada de todos?  Se é mandado embora, outro fatalmente o substituirá.

Estas considerações me vêm à mente porque, no plano internacional, parece que ocorre o mesmo. Há uma extrema boa vontade das nações, indivíduos e religiões cristãs em aplaudir tudo quanto Israel faça, mesmo que seja massacre como foi o caso de Sabra Shatila, a mortandade no barco turco que levava ajuda humanitária, e a opressão e invasões da Palestina.

Por outro lado, o estigma fica por conta da Palestina que, mesmo buscando pelos meios diplomáticos e legais ser inserida no concerto das nações abrigadas no guarda-chuva da ONU, é tratada como nação de segunda, quiçá de terceira categoria.

O simples fato de ter sido recebida pela UNESCO como membro pleno levou o aliado ad eternum (EUA) a retaliar e a cortar as verbas que envia ao órgão, como se a participação dos palestinos fosse mais perigosa que uma bomba atômica jogada sobre Washington.

Temos uma enorme necessidade de ter sempre um bode expiatório para nossas vidas e atos. É o irmão ou irmã que encarna meu lado “do mal”, aquele que não tenho coragem de assumir e que transfiro para este meu bode expiatório. Na empresa ele é o culpado pelas minhas falhas e motivo dos meus risos de satisfação pela afirmação nunca proferida de que sou melhor que ele ou ela.

No campo internacional, precisamos de uma nação escolhida por Deus, com um povo eleito para nos dar a esperança de que, aplaudindo tudo quanto façam, alguma benção sobrará para mim. Preciso de um bode expiatório para jogar sobre esta nação, ditador ou déspota todos os males.

Nestes dias nos saciamos com os bodes expiatórios: Mubarack, Gadaffi, Hussein, Bin Laden, Afeganistão, Taliban, Ministro do Meio Ambiente, Procurador Geral da República, Centrão, da Alexandre de Moraes, Barroso, etc.

O único carisma que restou foi a Angela Merkel, Depois de 16 anos liderando a nação mais poderosa da Europa, sai aplaudida pela nação durante seis minutos.

 

Marcos Inhauser

 

8/19/2021

FAMÍLIA: EDUCAÇÃO PARA A DIVERSIDADE

Há no meio religioso mal denominado evangélico ou gospel, uma orientação que preza orientar a família como plano de Deus, onde o homem é o cabeça da família, a esposa deve ser submissa, bem assim os filhos. Esta estrutura familiar, de inspiração hierárquica, patriarcal e impositiva da autoridade, exige que o homem tenha o controle familiar, que seja “o sacerdote da família”, não importando se ele tem ou não habilidades proativas e capacidade de decisão. Jogam todos no mesmo cesto e padronizam-se comportamentos masculinos e conjugais.

Já disse algumas vezes que a família é um sistema funcional cooperativo, onde cada um tem sua responsabilidade determinada pelas negociações ao interior do sistema, sem necessidade de se ajustar a um parâmetro estranho.

Já vi muitos casos de maridos estressados porque a igreja exige deles que seja o líder da família. Já vi casamentos desfeitos pela tentativa do marido em ser arvorar, de uma hora para outra, o chefe, contra tudo que vinha ocorrendo e fazia a família funcionar. Conheci um casal onde ele, desde os tempos de namoro era um sujeito calmo, sem iniciativas, sem liderança. Vieram os filhos e a coisa não mudou. Os filhos se acostumaram com seu jeitão pacato e bonachão. Excelente pai, carinhoso, atencioso, presente, trabalhador. Mas não era líder em casa. A esposa era um trato-de-esteira. Profissional bem-sucedida e reconhecida, tinha no seu DNA a liderança e a exercia no seio da família. O sistema funcionava bem, sem que sua liderança fosse questionada.

Certo dia o casal foi participar de um treinamento oferecido pela igreja, específico para casais. Lá o palestrante bateu forte na tecla de que o marido é o cabeça da família, que deve assumir seu papel, que a família onde o marido não é o chefe não funciona, não consegue se ajustar financeiramente, estão fora dos planos de Deus, os filhos serão rebeldes, etc. e tal. O “doutrinamento” foi tal que, pressionados emocionalmente, vieram pedir minha posição sobre o assunto. Conhecia o casal e sabia que deixar as rédeas da família nas mãos do marido/pai seria um desastre pela inata incompetência para a liderança e processo decisório.

Expus a eles meu ponto de vista, mas ele estava acreditando no que lhe disseram e pediu a esposa que queria assumir as rédeas. Ela consentiu. Passado um mês eles me procuraram e ele estava confessando sua total inabilidade. Não só não conseguiu como estressou o sistema e deixou contas a pagar. Até hoje eles vivem na cooperação das habilidades de cada um, inclusive dos filhos.

A família é um microcosmo, onde a diversidade existe, seja pela diferença do marido e da esposa, seja pela diferença destes com os filhos e entre eles. Educar dois, três ou mais filhos da mesma maneira é sinal de burrice. Cada um deve ser educado e estimulado a desenvolver suas habilidades no interior da família para que, neste estágio de aprendizagem, posso se sair bem no macrocosmo social. Tratar a todos da mesma maneira é violência.

A família é a “célula mater” da diversidade, do respeito à diferença e o espaço para o crescimento segundo as aptidões de cada qual. As ditaduras do “pai cabeça”, do “pai sacerdote” são aberrações.

Marcos Inhauser

 

A DIVERSIDADE FAMILIAR

A cada pouco escuto que a família é plano de Deus. Ao assim se posicionarem, tomam os relatos da criação para mostrar que homem e mulher, em união, formam o que Deus planejou e executou.

Sendo assim, deve-se aceitar que Deus, ao criar a mulher diferente do homem e em mesmo nível que ele, o fez porque na diversidade está a capacidade de ser ajudadora. É na diferença que se tem ajuda porque, se iguais fossem, os dois teriam a mesma visão e entendimento. Se fossem iguais em tudo não haveria diálogo e a comunicação inexistiria.

Ao pedir que Adão nomeasse os animais o fez para mostrar a Adão que não havia comunicação com animais. Ao criar a “kenegdo” criou alguém à altura, para responder com conteúdo ao que o marido dissesse. A mulher é igual em dignidade, capacidade, tem o mesmo selo do Criador, tem a mesma benção e a mesma missão confiada aos dois. Mas ela é diferente para ser ajudadora.

Um casal que tenha filhos, cada qual será diferente do outro e nem por isto a família, necessariamente, é uma confusão. Antes, pela multiplicidade de habilidades se tem a cooperação para o crescimento de todos.

A família saudável e funcional é um sistema cooperativo segundo as habilidades individuais. Querer impor a vontade de um sobre os demais é ditadura familiar, mesmo que o chamem de cabeça da família. A visão hierárquica e impositiva de uma única verdade é uma afronta à criação.

Marcos Inhauser

8/16/2021

SÍNDROME DA TERRA DE BABEL

Tenho para comigo que os relatos do Gênesis são paradigmáticos. Eles apontam para situações emblemáticas do viver cotidiano. Mais que relatos históricos, são reflexões sobre o viver histórico e nos ajudam a enfrentar situações do dia a dia.

O Gênesis conta esta história: “vinde, edifiquemos para nós uma cidade e uma torre cujo tope chegue até aos céus e tornemos célebre o nosso nome, para que não sejamos espalhados por toda a terra”. Há, neste relato, o desejo de ser conhecido, eternizado e louvado por uma obra, promover uma concentração de gente.

Tenho visto muitos projetos que têm a mesma ambição. Feitos para eternizar o nome de alguém ou para que todos saibam que ali estão os adeptos deste ou daquele líder. Não é necessário ir longe, nem esforçar a memória para se lembrar de coisas que cresceram rapidamente, tiveram seus cinco minutos de glória e caíram no ostracismo.

Aprendi com uma pessoa simples que há gente e situações que são como fogo no canavial: muito clarão por pouco tempo, depois só sujeira e confusão. Isto me faz lembrar do Banco Excel, da Caderneta de Poupança Delfim, da Capemi, do técnico Leão, do Trump, entre tantos outros.

Esta narrativa também tem me alertado para o que tem ocorrido no seio das igrejas. Os teóricos do crescimento das igrejas têm enfatizado o tamanho e desenvolvido termos como mega-igreja para qualificar as que têm milhares de membros que se reúnem em seus cultos. A ênfase é tanta que transparecerem que as pequenas não são abençoadas por Deus.

O sucesso de um ministério se mede pela quantidade de gente que reúne. Não importa se é showmissa, cultoshow, ou algo parecido. O importante é reunir gente e quanto mais melhor.

No Brasil uma destas se propôs a reunir um milhão de pessoas na esplanada dos ministérios em Brasília em um show de música evangélica, para mostrar sua força e liderança. Outro, volta e meia, é citado em relação ao número de pessoas que se reúnem em uma de suas showmissas. A cada pouco se ouve desta ou daquela denominação que pretende reunir milhares de pessoas em um local ou na Marcha para Jesus. Cada vez mais ouço de alguém que decidiu construir um templo para cinco, oito, dez, quinze mil pessoas. O tamanho aqui é documento. Quanto maior, mais reconhecido será o ministério deste ou daquele.

Sei de uma igreja de uns quatrocentos membros que se atirou na tarefa de construir um templo para cinco mil pessoas. Para poder se reunir no novo local, ainda que precariamente, emprestaram dinheiro até de agiotas. Correram o sério risco de perder o que tinham e o que já haviam construído.

Cada vez é mais atual a história da torre de Babel: quando se decide construir algo para glória própria, para eternização do nome, para mostrar pujança e poder, o Senhor confunde as línguas. O mesmo se aplica a projetos de perpetuação no poder, seja de esquerda ou de direita.

Que os megalomaníacos, proto-ditadores e arrogantes não se esqueçam disto.

Marcos Inhauser

 

A RESTAURAÇÃO DA DIVERSIDADE



Houve um tempo em que o fundamentalismo imperou. A narrativa bíblica diz: “Ora, em toda a terra havia apenas uma linguagem e uma só maneira de falar.” Esta é descrição bíblica do fundamentalismo, a tentativa de fazer com que todos falem a mesma coisa, aceitem todos as mesmas premissas e falem a mesma língua. É a universalização da interpretação única.

Ocorre que esta condição de prevalência da unicidade interpretativa traz consequências: “... edifiquemos para nós uma cidade e uma torre cujo tope chegue até aos céus e tornemos célebre o nosso nome, para que não sejamos espalhados por toda a terra.” O Projeto megalomaníaco e centralizador. Gente dispersa é sinal de diversidade. Todos devem ficar juntos para garantir a unicidade de cosmovisão, de interpretação e de comunhão unívoca.

Ocorre que o projeto centralizador e hegemônico recebeu a visita de Deus: “Então, desceu o SENHOR para ver a cidade e a torre, que os filhos dos homens edificavam; e o SENHOR disse: eis que o povo é um, e todos têm a mesma linguagem. Isto é apenas o começo; agora não haverá restrição para tudo que intentam fazer.” Esta é a fantasia fundamentalista: não haver restrição para o que intentam fazer. Assim são os projetos megalomaníacos religiosos e políticos. Os ditadores excluem ou matam os que não se afinam com a ópera bufa que executam. Líderes religiosos megalomaníacos exigem obediência à sua visão de mundo e interpretações bíblicas. Querem ter seus nomes gravados eternamente nos anais da história, querem ser reconhecidos como heróis de uma cruzada hegemônica. Creem em um só Deus e, portanto, só existe uma única verdade.

Este projeto recebeu o juízo de Deus: “desçamos e confundamos ali a sua linguagem, para que um não entenda a linguagem de outro.” Foi o restabelecimento da pluralidade existente na criação. Deus é plural, Ele não repete suas ações, nem admite que seja entendido por uma única interpretação. Ele executa p seu juízo sobre os projetos de univocidade: “os dispersou dali ... ; e cessaram de edificar a cidade ... confundiu o SENHOR a linguagem de toda a terra.”

Estabeleceu-se o diálogo entre as várias línguas e interpretações. A visão unívoca não admite divergência ou

Negociação. Cessa o diálogo. Deus nos criou diferentes para sermos dialogais. O fundamentalismo só ceita a subserviência.

Marcos Inhauser.

8/12/2021

A REVELAÇÃO DIÁRIA

A teologia, desde há muito, ao tratar da revelação de Deus, divide o tema em duas esferas: a revelação natural e a especial. A especial se dá nos escritos considerados sagrados e surgiram no âmbito do povo judeu ao longo de muitos anos. A natural, baseada em textos escriturísticos vétero e neotestamentários, afirma haver uma revelação de Deus nas coisas criadas. Para tanto são usados textos como: “Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos. Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite. Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som; no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras, até aos confins do mundo (Sl 19:1-4) e “Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis” (Rm 1:20).

No entanto, a teologia do senso comum, tem afirmado limites para as duas formas de revelação. Para a revelação natural, que é a que se tem através das coisas criadas por Deus, se afirma que ela não é suficiente para a salvação, mas somente serve como indicativo do poder de Deus. Para a teologia especial, afirma-se que a revelação de Deus acabou com o último livro que existe no cânon sagrado.

Com isto, a teologia delimita as capacidades revelatórias das coisas criadas e da revelação especial de Deus. Por que o fazem? Já ouvi muita coisa tentando explicar, mas, como fui treinado a fazer perguntas, questiono as duas posições. Se considero alguns paradigmas de interpretação dos fatos que grandes pensadores trouxeram à humanidade, sou obrigado a inquirir sobre estes dois axiomas teológicos.

O primeiro que emprego é o paradigma marxista de que todas as relações são relações econômicas. Em outras palavras, qual o ganho econômico que há em se afirmar a limitação das duas revelações? O segundo é o foucaltiano que diz que todas as relações são de poder. Qual o poder ou disputa de poder que existe ao limitar os parâmetros da revelação? O terceiro é o da teoria sistêmica que pergunta: qual o ganho que se tem ao permanecer no estado de coisas ou na mudança do quadro de relações?

Os três, ao que me parece, trazem à luz uma nova visão. O problema era que, deixadas as revelações natural e especial abertas, qualquer pessoa poderia “escrever um livro sagrado” ou alegar fatos da criação para sustentar sua religiosidade. No exercício do seu poder, os sacerdotes impuseram um limite às revelações. Com isto ganhavam status e o seu poder econômico era fortalecido, porque a religiosidade ficava centralizada e limitada às esferas delimitadas pela classe sacerdotal.

Na história da formação do cânon percebe-se a tensão existente entre os vários grupos e seus interesses econômicos e de poder. Para exemplo, cito o caso de Marcião, que negava a autoridade do Antigo Testamento e foi execrado, julgado e condenado pelos bispos das grandes igrejas. A controvérsia sobre os vários cânones do Antigo Testamento que contrapõe católicos e protestantes é exemplo disto e a que ganhou foi a versão dos poderosos.

Logo, pergunta-se: o cânon, tal como temos, é a expressão da vontade de poderosos? Devo concluir que sim. Ele se prestou e ainda presta à imposição de uma visão que interessa a um grupo de pessoas com funções religiosas/sacerdotais.

Se me liberto destas amarras e passo a olhar as coisas criadas como algo que Deus revela a mim naquele momento, escapo dos tentáculos da religiosidade templária e enveredo pelos caminhos da liberdade, tal como afirmou Paulo “onde há o Espírito, há liberdade.” (II Co 3:17). Passo a ter uma religiosidade (no sentido positivo do termo “re-ligare”) e desfruto das coisas criadas de forma mais autêntica e não mediada pelos profissionais da religião.

É a religiosidade não institucionalizada!

Marcos Inhauser

A LIMITANTE EXTRAPOLADA

No quesito “revelação especial” (ver texto anterior aqui postado), há uma máxima, pretensamente apoiada por textos escriturísticos sagrados e canônicos de que nada se deve acrescentar à Bíblia, sob pena de juízo (Dt 4:2, 12;32; Ap 22:18, entre outros utilizados). A ideia que subjaz é a de que a revelação especial se concluiu com os escritos hoje tidos como canônicos e que nada se pode acrescentar e retirar destes textos.

Ocorre que, nos aludidos textos, há a recomendação expressa de que tal orientação se refere ao livro específico onde o texto está inserido. Daí porque, me parece, ampliar sua abrangência para todos os demais livros é fazer mal uso. Além do mais, note-se que as imprecações são uma forma estilística e visam dar autoridade ao que estava escrito naquele livro. É um recurso de apelo autoritativo e de empoderamento.

Há ainda uma observação a se fazer quanto a este terminativo de não acrescentar nem retirar nada. No livro de Daniel está assim colocado: “Tu, porém, Daniel, encerra as palavras e sela o livro, até ao tempo do fim; muitos o esquadrinharão, e o saber se multiplicará.” (Dn 12:4). Esta alocução se refere ao livro em questão e diz que está encerrado “até ao tempo do fim”. Ocorre que a maioria dos que usam o argumento para “selar a Bíblia”, são os mesmos que, de boca cheia, anunciam que estamos vivendo o fim dos tempos. Se isto é verdade, a afirmativa de Daniel abre a possibilidade de se tratar do texto de forma diferenciada ou seja, nos dias atuais que são os últimos dias.

A quem interessa esta interpretação limitante? Por que se tem medo de ter a revelação aberta? Se Deus quer se revelar, Ele o não faz sem pedir licença? Se a máxima é verdadeira, qual dos cânones aceitos é verdadeiro? Estariam alguns ortodoxos certos ou errados ao não incluir o livro do Apocalipse no seu cânon? Como fica Lutero que tirou a carta de Paulo a Tiago por considerá-la palha? Como entender que na Igreja primitiva alguns escritos eram tidos como inspirados e normativos (ex. Didaquê) e que não o são mais? Como entender que a inspirada carta de Judas mencione livro apócrifo? É este livro canônico ou só a parte dele citada por Judas? Como entender as controvérsias e o jogo de interesses na formação e aprovação dos cânones veterotestamentário e neotestamentário? Como pôde a igreja viver mais de trezentos anos sem um cânon reconhecido? Como pôde a igreja sobreviver se os primeiros escritos, hoje aceitos como inspirados, começaram a ser escritos em meados dos anos 50 e se estenderam até pouco depois do ano 100?

Estas são questões que merecem ser trabalhadas por quem tem a mente aberta pelo Espírito, que é quem dá a liberdade e a sabedoria.

Marcos Inhauser

8/09/2021

A CRIAÇÃO DA DIVERSIDADE

Já li, estudei, meditei e ensinei sobre o Gênesis. Mais especificamente sobre os primeiros onze capítulos. Eu o faço há mais de 40 anos.

Voltando ao texto dia destes, notei algo que havia lido inúmeras vezes e nunca prestei atenção: “segundo as suas espécies” (Gn:1:21). Como tenho ojeriza de quem afirma categoricamente suas conclusões bíblicas como se verdades absolutas fossem, fiquei a matutar sobre o texto e esta particularidade. Sem querer defender que as vírgulas são inspiradas em apoio à teoria da inspiração verbal e plenária, pensei que esta frase aparece não por acidente ou luxo estilístico.

Lendo um livro que acabo de ganhar e que tem um capítulo que trabalha sobre a diversidade, fui instado a entender que esta frase (“segundo as suas espécies”) é a afirmação da diversidade na criação. Eu já havia afirmado inúmeras vezes que a criação não foi uma máquina de produção em série, criando infinitas cópias do mesmo. Também afirmei que a criação não foi um ato único, mas que ela se renova todos os dias, a cada nova coisa criada. Também afirmei que a única certeza que tenho é que Deus não repete as coisas. Ele sempre faz de maneira diferente.

Quando ensinava isto, tinha em mente que ele criou a variedade: peixes, animais, pássaros, árvores, etc. Não tinha em mente a variedade dentro da mesma espécie. Por exemplo, os pássaros. Há uma variedade de cores, tamanhos, plumagens, cantos, bicos. É a multiplicidade dentro da especificidade. O mesmo posso dizer dos seres humanos, dos mamíferos, vertebrados, invertebrados.

Isto ajuda a entender que Deus não é um ser monolítico, de uma só direção ou característica. Também não é um ser binário onde o “ou” o caracteriza (ou isto ou aquilo). Antes Ele é um ser onde o “também”, o “e”, o “além do mais” são suas caraterísticas. Por ser indefinível, qualquer tentativa de defini-lo é reducionista. Só podemos balizar conhecimentos sobre o seu ser, mas nunca chegar ao absoluto da afirmação.

Ouso dizer que Deus é ecumênico na sua essência, flexível no seu atuar, acolhedor. Ele criou a diversidade. Exemplo disto é que, segundo o relato, criou a mulher da mesma essência do homem, mas diferente. Acho até que Ele se compraz com as DRs que os casais têm. Na mesmice não há diálogo, não há enriquecimento, crescimento. É na diferença que se conversa, diáloga, negocia e crescemos.

Marcos Inhauser

PEREGRINOS E ANDARILHOS

Certa feita, em um encontro de pastores, o palestrante trabalhou o conceito de “paroikós” como sendo o cidadão do Reino, que não tem cidadania neste mundo, mas nele é peregrino. Lendo Manoel de Barros lembrei-me desta palestra, porque ele diz mais ou menos isto: “os andarilhos usam a ignorância. Sempre sabem tudo sobre o nada. E multiplicavam o nada por zero — o que lhes dá uma linguagem de chão. Nunca sabem aonde chegam e sempre chegam de surpresa. Eles não criam estradas, mas inventam caminhos. Me ensinam a amar a natureza. Bem que eu pude prever que os que fogem da natureza um dia voltam para ela”.

Troco a frase para “os que fogem da verdade um dia ela os vai encontrar”.

Tal como o andarilho, o paroikós também não faz estradas, mas descobre caminhos. As estradas da fé e do Reino são conhecidas ao caminhar. A vontade de Deus se conhece pelo retrovisor. Tenho medo dos que dizem saber da vontade de Deus a priori, por pré-ciência, assim como tenho alergia ao que dizem “a vontade de Deus é ...”, “o que o Senhor quer de você é ...”, “o Senhor me revelou ...”. Nisto diferencio o peregrino do andarilho: o primeiro o faz porque tem uma causa e valores, o último o faz sem nenhum valor ou causa, pelo simples prazer de andar. O peregrino caminha com uma esperança.

Andarilho e peregrino são levados, nunca dirigidos. Tal como a pipa, é o vento que os leva. Isto já disse o evangelista João: “O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai”. Assim é o paroikós, o peregrino do Reino.

O paroikós contempla a natureza, desfruta dos momentos, não olha para trás, mas obedece o que foi dito a Moisés (“siga em frente”), a Abrãao (sai da tua terra e parentela e vai para a terra que vou te mostrar sem dizer onde seria), a Paulo (quando o impedia de ir à Bitínia e o orientou a ir à Macedônia). O paroikós não é um ser apegado ao momento porque sabe que o que vem à frente é diferente do que teve ou tem. Está aberto à novidade, sabendo que está guiado por Deus.

O paroikós não é um conservador, nem fundamentalista que crê que as suas interpretações são inerrantes e infalíveis. Também não é um pré-milenista que acredita que as coisas precisam piorar e atribular para que venha o Reino. O Reino, para ele, está na caminhada, no descobrir do agir de Deus nos momentos e lugares que vive. Sabe que um dia chegará ou será levado ao Reino, mas acredita no “ainda-não”, na espera. Esperança é a marca do peregrino.

Marcos Inhauser

ESTADO ESQUIZOFRÊNICO

Não é de hoje que falo, escrevo e protesto contra o Estado brasileiro nos seus diversos níveis. Há nele um aperfeiçoamento célere quando s...