Lá se vão quarenta e dois anos.
Saí de Barra Bonita de mudança para São
Carlos. Três filhos pequenos (5, 3 e 1 ano), uma nova igreja, desafios
incontáveis. Na saída, alguém me disse que em São Carlos havia um pediatra
cristão que eu deveria procurar se precisasse de algo para as crianças (uma
certeza inquestionável).
Descemos a mudança do caminhão, mal nos
acomodamos e, exaustos, caímos no colchão que estava no chão. No outro dia
acordei me sentindo mal. Não conseguia me levantar, tudo rodava, uma impotência
frustrante. Tanta coisa por fazer e sem conseguir levantar a cabeça do
travesseiro!
Pedi à esposa que ligasse para o médico
recomendado e ele não retornou a ligação. Passei três dias de molho, sem poder
ajudar em nada, com três pequenos bagunçando até não mais poder, porque tudo
estava ao alcance das mãos deles. Foi uma tortura ficar deitado com tanta coisa
por fazer. Três dias depois me senti melhor e voltei à carga.
Mais tarde, como era de se esperar, tivemos
problemas de saúde com um dos filhos e lá fomos ao consultório do pediatra recomendado,
o mesmo que eu tinha agora reservas porque nem bola deu para meu mal-estar.
Tinha certeza de que encontraria um médico burocrático, chato e ranzinza. Para
surpresa minha, ele foi simpático, atencioso e cuidadoso.
Mais vezes precisamos dele para o cuidado
das crianças. Sempre com a mesma generosidade, gentileza, carinho e cuidado.
Acabamos nos tornando grandes amigos, e ele nos introduziu à sua família, e
nossos se tornaram amigos. Porque ambos somos corintianos, fomos ao Morumbi na
Veraneio que ele tinha, para assistir a um jogo do Corinthians com o Atlético
de Minas. Éramos nove: o pai e seus quatro filhos, eu e meus três filhos. Foi
uma aventura e uma festa. O Corinthians ganhou um jogo decisivo e emblemático,
até hoje relembrado por todos os que participamos.
Certa feita, em uma conversa mais
intimista, contei a ele que tive péssima impressão dele quando acabara de
chegar a São Carlos. Ele me disse com suas costumeiras poucas palavras: “Eu
sabia que você estava estressado e que precisava de uns dias de repouso. Eu não
podia fazer nada! Tanto é verdade que depois de três dias você melhorou!”
Meus filhos tinham por ele uma verdadeira
adoração e o chamavam de Tio Moimando (porque não conseguiam pronunciar seu
nome por inteiro e corretamente). Tal o respeito, admiração e confiança que,
depois de casadas, minhas filhas ligaram para ele (uma vez da China) para pedir
a ele conselhos sobre os cuidados com os filhos.
Pediatra, ele foi meu médico. Por duas
vezes fui salvo por ele. Na primeira, eu tinha uma biópsia que dava um
diagnóstico preocupante. Procurei outro médico, iridologista, que me disse que
não tinha nada do que a biópsia dizia. Entre um laudo de laboratório e um
iridologista, deveria ter ficado com o laudo. Mas estava na dúvida. Procurei o
médico amigo, expliquei a ele e ele me encaminhou para um médico especialista
em Bauru. Quando cheguei e indiquei que havia sido indicado pelo Dr. Normando,
as portas se abriram, tal era o respeito e carinho que o médico procurado tinha
por ele.
Doutra feita, depois de uma cirurgia que
retirou alguns centímetros de meu intestino, tive complicações, com febre,
falta de ar e dificuldade de falar. Um primo, muito amigo, me ligou para saber
como eu estava. Ele me alertou que deveria procurar ajuda médica urgente.
Liguei para o Normando. Ele me pediu que buscasse o médico que me deu o nome,
informando-me que não tinha o telefone e que era difícil arrumar uma consulta
com ele. Ele me disse que dissesse a ele um apelido que era como ele o chamava.
Não liguei. Fui direto ao consultório. Lá chegando, a secretária me disse que
ele não tinha agenda nos próximos quatro meses. Perguntei: “e se for consulta
paga?”. “Dá no mesmo”, me respondeu. Olhei nos olhos dela e disse; “vai lá
dentro e fala para ele que quem o chama de (um apelido que não me recordo) foi
quem me pediu que o procurasse.
Ele veio ao meu encontro, acreditando que
era o próprio Normando quem ali estava. Expliquei a ele o que aconteceu, me
consultou e me internou em urgência na Unicamp. Minha vida estava em risco.
Conto estas coisas para ressaltar três
coisas. Primeira: nem sempre a primeira impressão é a verdadeira. Segunda: relações
de amizade honestas sobrevivem ao tempo e isto porque ambos os amigos se
respeitam, apesar das diferenças de opinião que possam ter. Terceira: As
amizades são tanto mais duradouras quanto mais benéficas elas são para ambos.
Quarta: a estabilidade e longevidade das amizades nos trazem felicidade à vida,
porque sabemos que somos amados, respeitados e que podemos contar com elas quando
precisarmos. Assim foi com os médicos em Bauru e Campinas que o Normando me
indicou. Quinta: a amizade verdadeira não precisa de contatos constantes, de
elogios mútuos, de explicações e avaliações. Ela existe e resiste ao tempo, aos
silêncios e às diferenças. Ela é o lenitivo para os azedumes da vida.
De minha parte, minha gratidão e respeito
pelo pediatra, médico e amigo que o Normando sempre foi e continua sendo.
Marcos Inhauser