10/24/2021

A PALAVRA ENGRAVIDADORA DE SONHOS

A palavra falada morre assim que sai da boca. É um vento que esmaece rapidamente. Ocorre que, no ouvido que a ouve, coisas mil podem acontecer. O vento/fala tem o poder de penetrar o ouvido de alguém e ao fazê-lo entra e mexe com os circuitos neurais da pessoa, produz interpretações, conexões, emoções, sentimentos positivos ou negativos, gera ações.

Enquanto escrevo isto lembro-me do Salmo 126:6 “Aqueles que saíram chorando, levando a semente para semear, voltarão cantando, cheios de alegria, trazendo nos braços os feixes da colheita”. A palavra falada é semente lançada e os frutos nem sempre os conheceremos. Às vezes, alguns anos mais tarde, alguém virá nos agradecer por algo que dissemos e a ajudou ou mudou em um momento da vida.

Acho que se aplica aqui também a parábola do semeador (Mt 13: 3-9) “Ele disse: —Escutem! Certo homem saiu para semear. Quando estava espalhando as sementes, algumas caíram na beira do caminho, e os passarinhos comeram tudo. Outra parte das sementes caiu num lugar onde havia muitas pedras e pouca terra. As sementes brotaram logo porque a terra não era funda. Mas, quando o sol apareceu, queimou as plantas, e elas secaram porque não tinham raízes. Outras sementes caíram no meio de espinhos, que cresceram e sufocaram as plantas. Mas as sementes que caíram em terra boa produziram na base de cem, de sessenta e de trinta grãos por um. E Jesus terminou, dizendo: —Se vocês têm ouvidos para ouvir, então ouçam.”

A palavra falada não sabe qual terreno vai encontrar. Há os que parecem bons e que se mostram infrutíferos. Outros vicejam como arbusto que nasce na rachadura da pedra. Há os que têm passarinhos ávidos pelo que se lança e as sementes não logram germinar. Estes solos me fazem lembrar de uma senhora muito querida, de vida familiar complicada, que era membro da igreja que pastoreava. Todo domingo, terminado o sermão, ela me dizia: “o senhor pregou para mim hoje”, ou “este sermão foi maravilhoso”. Ocorre que, durante a semana, se eu a visitasse, ela não se lembrava do que havia ouvido no domingo. Solo falsamente frutífero.

Também encontro os que, nem bem a semente cai no solo, já a estão matando com críticas infundadas, porque nem se deram ao trabalho de examinar a semente. Os passarinhos que têm não a deixam frutificar.

A palavra tem a capacidade de gerar sonhos, de engravidar mentes, de fazer novos mundos. Ela deve ser verdadeira, dócil, mas assertiva. Ela deve semear esperança, mesmo que esta deva desconstruir sistemas caóticos. Ela tem a capacidade de iluminar a balbúrdia, o caos, o “tohu vabohu” e ordenar as coisas. Não é para menos que Jesus fez o alerta: “quem tem ouvidos para ouvir, ouça!”

Mistérios desta capacidade humana de falar e escutar, de expressar e ser entendido, mal-entendido, ser amado ou odiado. As palavras são mágicas: produzem ódios e amores.

Marcos Inhauser



PALAVRAS DA MODA

Assim como há palavras que caem no limbo, há outras que ficam em vigência frenética por algum tempo. São como cometas: aparecem, têm seu brilho e desaparecem depois de um tempo.

Tenho em mente algumas que estão na crista da onda: narrativa, sem comprovação científica, coach e coaching, youtuber, cancelar, milícia e milícia digital, fake news, seguidores, likes, views, influencer, e outras mais.

Uma coisa que me chama a atenção é que, na quase totalidade delas, são inespecíficas. Elas se prestam a vários contextos e empregos, várias são usadas sem que se saiba a origem etimológica e são abusadas na sua variedade de sentidos. Como exemplo, cito “coach” que muitas vezes é empregada como sinônimo de “mentor”, e “coaching” de “mentoring”. Outra é “cancelar” que, até onde consigo visualizar e entender, se aplica ao mundo digital e às personalidades eflúvias da internet que sofreram ação coordenada de cancelamento dos seguidores.

A palavra milícia, antigamente empregada para força militar de um país ou exército, passou a ser empregada para o grupo que, não tendo ligação com o exército, age como se tivesse. Finalmente, no Brasil, passou a designar os grupos de pessoas que realizam patrulhas contra narcotraficantes, geralmente em regiões onde o Estado não está presente. Ocorre que, ela foi mais além para designar os grupos armados de defendem os narcotraficantes e outros que agem fora da lei.

A palavra “ineficaz” ganhou nova roupagem com “sem comprovação de eficácia”, eufemismo moderno produzido na esteira da pandemia. Neste contexto se pode marcar o uso hiperbólico que se fez das palavras “narrativa”, “crime contra a humanidade”, “prevaricação”, “procrastinação”, para citar algumas.

Concluo dizendo dos múltiplos usos que se tem dado às palavras esquerda, centro e direita, comunista e capitalista. O que era posicionamento ideológico-político, passou a ser ofensa. Muitos que acusam de ser comunista ou marxista, nunca leram uma página do Capital de Marx e se leram não entenderam nada. Assim também quem defenestra o Paulo Freire.

Marcos Inhauser

PALAVRAS NO LIMBO

Há palavras que morrem e outras que, sem uso, ficam numa região limbosa entre a morte e raras recordações. Parece precisarem de gente que se lembre delas para “rezar uma missa” para que continuem na lembrança.

Tenho palavras que usei na infância e que foram para o limbo. Vasca (tanque de lavar roupa); componedor (usado nas antigas tipografias para nele colocar as letras que formariam palavras e orações); pinchar (atirar, jogar longe); moringa (tanto para se referir à cabeça como ao recipiente de barro onde se guardava a água); embornal (sacola de pano que se levava tiracolo com alguns pertences, especialmente a comida); quarador (local onde se estendia a roupa ao sol para que alvejasse); vitrola (aparelho onde se tocavam vinis); alpendre (varanda); gazebo (tenda). A lista é grande: assuntar, assomar, prosear, sopetão, baforada, senhorinha, choufer, cocheiro, e por aí vai.

No campo do futebol há algumas: certeralfo, corner, béqui, faul, guarda-meta. Quase todas foram aportuguesadas ou traduzidas.

Isto mostra e prova que a palavras têm vida: nascem, vivem e morrem. Depois de passar um ano vivendo na América Central, ao voltar encontrei algumas expressões que tiveram duração meteórica: “o cara”, “uma brasa”, “morô?”, “mina linda”. Outras são eternas: saudade, amor, carinho, gentileza.

Entre palavras frágeis, voláteis e eternas vivemos. Nós nos eternizamos pelas palavras que usamos e pelo uso que dela fazemos. Palavras são sons, mas são sonhos, convites, insinuações, encantamentos, magias. Tornamo-nos mágicos quando falamos palavras certas em horas certas porque fazemos acontecer coisas que nem mesmo acreditamos. Pense para falar, mas espere para ver o que suas palavras farão: isto é sabedoria!

Marcos Inhauser

O ESTUDO DAS PALAVRAS



Há um ramo da ciência que se chama etimologia. Ela vem do grego Etimologia (composto de “etmos” [verdadeiro, real] e “logia” [estudo]) e é um campo da linguística que estuda a história ou origem das palavras e explica o significado delas através da análise dos elementos constituintes e sua evolução histórica.

Algumas palavras derivam de outras línguas, muitas vezes modificada. A palavra de que dá origem é chada de “etmos”. Na comparação de textos com outras línguas, os etimologistas buscam reconstruir a história das palavras - quando elas entram em uma língua, quais as suas fontes, e como a suas formas e significados se modificaram.

As palavras não têm o significado que lhes atribuo. Elas têm seu significado histórico que são determinados por especialistas e estudiosos.

Quando alguém quer que uma palavra signifique o que ela não o faz, quem a usa de forma equivocada, dá mostras de ignorância linguística. Outros querem fazer dizer o que eles acham que elas devem dizer e erram por não conhecerem o significado consensual e técnico que lhe é dado.

Já ouvi muita coisa sobre algumas palavras, por parte de gente que se acha entendida e tenta ir ao grego, que mal conhecem, para que a palavra diga o que eles querem. Um exemplo disto é a palavra grega “porneia” que já vi citada com os mais variados sentidos por etimologistas de araque.
Exemplos destas dificuldades são as palavras “objeto” que na origem significava “objicere” no sentido de jogar na frente, impedindo a passagem. Com o tempo passou a significar “opor, censurar ou repreender”

Outra é a palavra “obsessão” do verbo obsidere (estar sentado diante, impedindo a passagem) que também teve o sentido de “aparições demoníacas à mente humana”, mas consolidou-se como “compulsão, ato teimoso e, às vezes, irracional”.

Ostentação também tem sua história. De ostentatĭo (“estender diante, pôr diante dos olhos”) gerou a palavra “ostensão”, que adquiriu o sentido de um ato arrogante ou vanglorioso e gerou a palavra ostentatĭo, isto é, “ostentação”.

Interessante é a palavra “óbito” que vem obire (“ir contra, afrontar”) e seu particípio obĭtus (“ato de ir ao encontro”), donde nasceu o sentido de “ato de ir ao encontro da morte.

No meio evangélico é comum encontrar quem queira que certos termos signifiquem o que eles querem. Exemplos são identidade de gênero, transfobia, misoginia, santidade (quando empregado como obediência a regras legalistas), etc. Não terminaria a lista se quisesse citar todas.

O que me admira é que tem gente que sabe mais que os doutores no assunto e que são mais exatos que filólogos, dicionaristas e etimólogos.

Marcos Inhauser

JOGO DE PALAVRAS

Estamos nestes dias lidando com a aprovação do relatório da CPI da Pandemia. Há duas palavras que estão no centro das atenções e discussões: genocídio e homicídio.

A palavra genocídio, foi inventada por Lemkin, em 1944, ao afirmar que é um crime especial que consiste em destruir intencionalmente grupos humanos raciais, religiosos ou nacionais, que pode ser cometido em tempos de guerra ou paz. (Gil, Alicia. El Genocídio y otros Crímenes Internacionales. Valencia: Colección  Interciencias, 1999, p. 125).

Na mesma linha segue o Aurélio ao definir como “crime contra a humanidade que consiste em destruir total ou parcialmente um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, cometer contra ele qualquer dos atos seguintes: matar membros seus, causar-lhes grave lesão à integridade física ou mental, submeter o grupo a condições de vida capaz de o destruir fisicamente, no todo ou em parte, adotar medidas que visem a evitar nascimentos no seio do grupo, realizar transferência forçada de crianças num grupo para outro” (Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Gamma, 1975, p. 683).

A ONU, 11 de dezembro de 1946, afirma: “O genocídio é a negação do direito de existência de grupos humanos, como o homicídio é a negação do direito de viver dos seres humanos; tal negação do direito de existência choca a consciência da humanidade, resulta em grandes perdas para a humanidade na forma de contribuições culturais e outros representados por esses grupos humanos, e é contrária à lei moral, ao espírito e aos objetivos das Nações Unidas. Muitos casos de crimes de genocídio ocorreram quando grupos raciais, religiosos, políticos e outros grupos foram destruídos, totalmente ou em parte. A punição do crime de genocídio é uma questão de interesse internacional. A Assembleia Geral, por isso, afirma que o genocídio é um crime sob a lei internacional que o mundo civilizado condena, e que os autores, principais ou partícipes – quer particulares, funcionários públicos ou estadistas, e se o crime é cometido por motivos religiosos, raciais, políticos ou de qualquer outra base – são puníveis.”

Se o atual governo é ou não genocida vai de cada um ao ver as definições que aqui se apresentam (algumas entre outras milhares). O relatório da CPI assim entendeu que o que se praticou foi genocídio, mas vários membros se opuseram a isto, entendendo que a tipificação do crime é tênue.

Como cada cabeça é uma sentença, que a sua tenha a própria sentença.

Marcos Inhauser

OS ACESSÓRIOS DAS FALAS

A literatura sapiencial bíblica já ensina há milênios que “A resposta delicada acalma o furor, mas a palavra dura aumenta a raiva” (Pr 15:1). Este texto já mostra que a fala pode ser branda ou dura. Mas estas não são as duas únicas possibilidades.

Há todo um conjunto de acessórios à fala que a temperam com delicados aromas.

Um deles é o gestual, movimento que se faz com as mãos enquanto se fala e que assume intensidade de acordo com a fala, ou se acalma se a fala for mais branda. Aliado a isto há as expressões faciais, fundamentais para quem fala e para quem ouve. Muito do que a pessoa fala é melhor entendido prestando-se atenção à face, torcidas de boca, testa franzida, dentes cerrados, etc. De igual forma é a expressão corporal que muito acrescenta em sentido e intensidade ao que é falado. Há a leitura dos olhos, seus movimentos, sua conjunção com o movimento das pálpebras.

Acrescente-se a isto a questão tonal da voz, a altura da voz, a musicalidade, a velocidade. Sabe-se que as vozes mais agudas são mais irritantes “menos ouvidas”, as mais graves são “mais persuasivas e sensuais”, que o falar baixo “chega mais ao coração”, que a fala gritada “provoca a ira no ouvinte” (veja texto citado ao princípio).

O conjunto destes acessórios se chama metalinguagem ou metacomunicação. Conhecer, explorar e usar devidamente melhora em muito a capacidade de comunicação. Falar é mais que emitir sons, é um teatro onde corpo, mãos, face, olhos, volume, velocidade, ritmo jogam seus papéis, ora principais, ora secundários, mas sempre adicionando tempero à fala.

Marcos Inhauser

A PALAVRA INÓCUA

A fala ao vento é inócua. Falar tem um propósito: alguém que a escute. O solilóquio é patologia. Quem fala sozinho fala pro nada, para nada e por nada. Falar sozinho é retornar ao tempo adâmico de nomear animais, sem que estes dessem resposta. Falar sem ter quem escute é bestial.

A fala só tem sentido quando alguém a ouve. O ouvido alheio é o objetivo da nossa fala. A fala é relacional porque é um “eu” que se dirige a “tu”, buscando haver entre ambos um “nós”. Daí porque ela é comum+ação: a ação de buscar algo comum!

Falar ao vento é futilidade. O solilóquio é típico das esquizofrenia, de quem vive ora em um mundo, ora em outro. A fala solitária é a conversa com o imaginário, com a irrealidade, com os fantasmas da mente. Ela é, também, o exercício de quem é dono-da-verdade. Só ele escuta o que diz!

Quando falamos buscamos ser ouvidos. Por isto nos especializamos em leitura corporal, forma indireta e inconsciente do outro me informar se me escuta e concorda. Este é o sinal da busca desenfreada pelos “likes” de quem “escreve sem saber para quem” e nem se “está sendo ouvido”.

O paradoxo da vida urbana e densamente povoada é que, quanto mais ouvidos haja à nossa volta, menos somos ouvidos quando falamos. Outro é que, quem menos conhecimento tem é quem mais fala, como se vomitasse as suas pequenas verdades para o mundo. A Bíblia diz que o falar é prata, o calar-se é ouro. É preferível o silêncio ao solilóquio dos surtados.

Marcos Inhauser

A PALAVRA DÉBIL

Nada mais efêmero que a palavra falada. Falar é emitir pneuma (vento), um vento sonoro, que sai de dentro de uma pessoa, mas que morre assim for pronunciada. Ela tem prazo de validade mínimo. A palavra fala é irrecuperável (mesmo que se grave se ouça, a gravação não tem o mesmo poder que a fala original tem).

Gaiarsa traz ideias maravilhosas sobre este “expelir espírito” (vento=pneuma=espírito). Quando falamos, “ventamos” o espírito interior. Toda fala é reveladora. Por isto os profetas insistiam no “veio a mim a Palavra do Senhor dizendo”. Era a revelação feita pelo expelir espírito.

Com o Juan Stam aprendi, depois de uma pergunta que lhe fiz e 30 minutos de exposição, que o texto de que afirma que a Palavra foi inspirada, na verdade deveria ser expirada por Deus. A palavra no grego é “theopneustós” e se refere algo que foi “ventado por Deus”. Só uma fala saída de dentro pode revelar o que vai dentro de quem falar. Talvez, por isto, Jesus alertou: “Digo-vos que de toda palavra frívola que proferirem os homens, dela darão conta no Dia do Juízo; porque, pelas tuas palavras, serás justificado e, pelas tuas palavras, serás condenado” e que “boca fala do que está cheio o coração”.

Falar é dar-se a conhecer, é colocar o espírito para fora. O poder da fala, ainda que sua duração seja efêmera, está no fato de que ela sai como reveladora. Assim fez Deus, assim fazemos nós ao falar. Ele se revela e nós nos revelamos!

Marcos Inhauser

A PALAVRA INCAPAZ

Sonhamos com coisas, símbolos, animais, insetos, pessoas, etc. Sonhamos com diálogos, palavras. Pensamos metáforas e palavras. Expressamo-nos com palavras faladas. O que falamos nunca traduz com exatidão nossos pensamentos, sentimentos ou sonhos. O que falamos sempre deixa a desejar porque inferior àquilo que sonhamos, sentimos ou pensamos.

Este é o dilema da fala. Ela é poderosa, cria relacionamentos, mundos e amores. Mas é imperfeita e incapaz de traduzir com precisão nossos sentimentos. Tanto é assim que há milhões de romances, poemas e músicas dedicados a definir o que é o amor. Tente definir com exatidão o que é a raiva, ódio, a simpatia, a saudade, o desejo sexual. Todas as definições são incompletas.

Não mentimos quando definimos, mas não definimos o que queremos definir. São tentativas que podem ser mais ou menos exatas, dependendo do grau de vocabulário que a pessoa tenha e sua capacidade descritiva. À falta de vocabulário recorremos às metáforas, tentativa de descrição que usa algo análogo para explicar. Mais que isto, a metáfora tem a capacidade de nos fazer imaginar. Nada mais limitado que a fala cartesiana para descrever sentimentos, desejos e orgasmos.

A fala é uma tentativa, uma aproximação, uma revelação parcial.

A fala passa pelo processo de interpretação de quem a escuta, o que a torna ainda mais imprecisa, imparcial. Toda interpretação é uma tentativa. Nenhuma é absoluta. Muito mais a interpretação da fala reveladora de Deus. Quem acha que entendeu o que Deus de si mesmo revelou, peca pela arrogância. A palavra chave na regra hermenêutica é “talvez”.

Mesmo a “Palavra de Deus” não pode ser a revelação completa e perfeita da essência de Deus. Se assim fosse, ela seria o próprio Deus. Há uma defasagem entre o ser de Deus e o que ele se deu a conhecer. Conhecemo-lo em parte, superficialmente. Buscar entender a revelação é um exercício de natureza parcial, porque, mesmo o revelado, passa pelo crivo da interpretação humana, o que pode distorcer, apreender parcialmente.

A arrogância é de quem os absolutos da interpretação. O sábio sabe que nada sabe e sua interpretação é precedida da incerteza do “talvez”, “acho que”, “poder ser que”.

Marcos Inhauser

A PALAVRA PODEROSA

Chama a atenção que o relato do Gênesis atribua à palavra enunciado por Deus como ato criador: “Haja...” “Houve...”. É a dupla que se repete ao longo da primeira narrativa. O falar foi ato criador.

Isto me leva a pensar que a nossa fala também tem o poder de criar mundo, de colocar ordem no “tohu vabohu” (caos) inicial. Com a palavra criamos mundos, relacionamentos, amores, sonhos. Mas a palavra também é poderosa para matar. Não é para menos que Jesus tenha dito que “todo aquele que, sem motivo, se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento; e quem proferir um insulto a seu irmão estará sujeito a julgamento do tribunal; e quem lhe chamar: Tolo, estará sujeito ao inferno de fogo”. E João vai dizer quem odeia seu irmão é assassino dele.Tiago afirma que “se alguém supõe ser religioso, deixando de refrear a língua, antes, enganando o próprio coração, a sua religião é vã”. E acrescenta: “porque todos tropeçamos em muitas coisas. Se alguém não tropeça no falar, é perfeito varão, capaz de refrear também todo o corpo”.

Não é para menos que haja estudiosos que afirmem que a capacidade de se comunicar em nível superior (falar) é a “imago Dei” em nós. Temos a capacidade de falar, de fazer com que esta fala poderosa crie mundos, sonhos, esperanças.

Que a nossa fala sempre seja para construir, edificar, esperançar.

Marcos Inhauser

10/07/2021

A FALA E SUAS EXPRESSÕES

Pensamos e falamos o que pensamos. A fala, mais que a enunciação de códigos linguísticos compreensíveis no universo onde vivemos, é acompanhada por gestos, entonação, musicalidade, ênfase, volume e velocidade. Este conjunto acessório da fala tem a capacidade de alterar, enfatizar ou negar o que se fala. A metalinguagem que a acompanha é por demais rica e importante, tanto que, para sua compreensão, há a necessidade de um mínimo de leitura corporal, tonal, facial e dos olhos.

Uma coisa é ouvir alguém falando vendo-a, outra é ouvir a fala de um ausente. Uma coisa é ouvir a fala presencialmente, outra é ouvir vendo a pessoa que fala por algum meio visual (vídeo ou TV). Uma coisa é ouvir uma música gravada pelo/a cantor/a preferido/a, outra é ir ouvir em um show com a performance presencial.

Assim é porque, desde nossos primórdios, fomos treinados a manter conversações face-a-face, seja no diálogo ou na conversa comunitária ou familiar. Isto está no nosso arquétipo comunicacional. Foi a invenção do telefone e a miríade de outras possibilidades que alteraram este paradigma fundamental da comunicação. A relação médico e cliente, tão alicerçada no presencial e no contato físico, vem sendo alterado pela telemedicina.

A fala, por mais rica que seja na sua dimensão denotativa, é insuficiente ao descrever coisas mais requintadas. Basta ver autores de romances, poetas e outros escritores quando querem descrever paisagens, o sabor de algo, a beleza de uma flor, sentimentos. Por melhor que seja comunicacionalmente, ninguém consegue descrever o sabor de uma laranja. Pode dar indícios, mas nunca descrever. A fala sempre é menor que o que descreve.

Esta distância entre os fatos e sua descrição passa batido na maioria das vezes. Damos por assentado que o que ouvimos, no mais das vezes são tentativas de descrever sentimentos. Posso dizer que estou com raiva, mas esta palavra nunca dará a exata dimensão do que estou sentindo. Ademais, posso dizer o que sinto e tentar ser o mais fidedigno possível, mas quem me ouve vai entender segundo suas experiências emocionais. Ao dizer que estou com raiva o ouvinte pode me certificar que entende o que estou dizendo, mas o que entende está codificado pelas suas experiências com este sentimento. Digo “A” e ele entende “a”.

Nas descrições de emoções fazemos uso constante de metáforas. Para dizer que estava com raiva digo “chutei o pau da barraca”, “meti o pé na porta”, “descarreguei um caminhão de melancia”, “rodei a baiana”. Estes recursos comunicacionais são muletas para a nossa incapacidade de descrever o que sentimos.

Assim, ninguém pode arvorar-se como sendo fidedigno ao descrever ou expressar emoções. Nossas falas são tentativas, aproximações. A interpretação que fazemos do que ouvimos sempre deveria estar baseada na possibilidade: “talvez, o que ele quis dizer foi...”

Marcos Inhauser

SONHAMOS E PENSAMOS PALAVRAS

Parece que na primeira infância, caracterizada pela inexistência de uma linguagem estruturada e lógica, não sabemos ao certo o que pensamos ou sonhamos. Tudo indica que, a partir de certo momento, à medida que vamos sendo treinados na fala, as coisas mudam. Os sonhos e pensamentos ganham palavras. Sonhamos alguém nos falando ou nós mesmos falando. Sonhamos algumas coisas mais inteligíveis, tais como animais ou insetos, brinquedos, situações que podemos descrever.

Os pensamentos vão ganhando complexidade à medida que o vocabulário aumenta. O que era mínimo vai ganhando musculatura, os pensamentos simples e banais vão ganhando complexidade e variações, porque se tem mais palavras para descrever e para agir no cérebro. O vocabulário agora inscrito no cérebro, pela ação das redes neurais e suas infinitas possibilidades, vai dando ao indivíduo a capacidade para melhor pensar.

Percebe-se, assim, que a capacidade de pensar, analisar e decidir está em estreita conexão com o vocabulário aprendido. Quanto menos se sabe, menos capacidade para entender as coisas da vida. Quanto mais se sabe e se estuda, mais ferramentas para situar-se no universo contextual no qual está inserido. O processo cognitivo é infinito e a pessoa deve desenvolvê-lo em todas as etapas da vida. Quem para de ler ou estudar, é como se assumisse uma marcha lenta na vida.

Quanto menos vocabulário a pessoa tem, mais cheia de certezas será, porque há pouco o que processar para analisar e decidir. Seus parcos neurônios farão as sinapses possíveis e a dúvida, característica de pessoas mais bem educadas, não estará em suas possibilidades. Nada mais ignorante que uma pessoa que pensa que sabe tudo. O maniqueísmo binário dos raciocínios medíocres classifica que se não é “A” tem que ser “B”. Ele é bi cromático: tudo é branco ou preto. Nunca viu, nem verá, as tonalidades de cinza que só o estudo, as leituras, as conversas enriquecedoras propiciam.

Nas redes sociais há exemplos desta proliferação de gente que tem opinião sobre tudo, que entende desde cesariana até motor à explosão, que consegue dividir um fio de cabelo ao meio. Vocabulário escasso, mente curta, raciocínio infantil, conclusões enviesadas, afirmativas bombásticas sobre a insignificância. Falam o óbvio clamando “eureka”.

Marcos Inhauser

A FALA COMO ACULTURAÇÃO

Quando ensinamos uma criança a falar nós a inserimos em um código linguístico e em um universo cultural. Toda fala é um aprendizado que traz em seu bojo um enunciado peculiar que é entendido, difundido e compreendido se se usa os mesmos códigos. Aprender a falar é um processo de aculturação.

A fala, como expressão de uma linguagem, não é universal. Ela é a construção de um segmento social que a desenvolve, aperfeiçoa e aceita como sendo a forma de entender, comunicar e se dar a conhecer e conhecer o ambiente em que tais códigos vigem. A linguagem é universal para o universo onde foi desenvolvida, mas é sectária porque, em última análise, despreza as demais formas de linguajar. Ela, acima de tudo, é uma forma de ver e compreender o mundo familiar onde aprende e vive. Daí porque, a pessoa que conhece só a “língua materna” tem uma visão estreita da vida e do mundo. A pessoa precisa sair do seu gueto, do seu ambiente familiar, ir para fora, para a escola, para enriquecer seu linguajar e sua cosmovisão.

Quanto mais eclética for a educação, mais seu “olhar do mundo” vai se ampliando. A educação é a forma de ampliar horizontes, de tirar do gueto familiar e transportar para universos outros. Sair do microcosmo onde foi treinado a falar é voar com a liberdade de conhecer novos códigos linguísticos e novas visões de mundo. É crescer, maturar, enriquecer-se. A pessoa fechada em seu mundo é um bonsai: envelhece e não cresce.

As leituras, as viagens, os contatos com outras pessoas e culturas são fermento para nos fazer crescer. Quando você encontra uma pessoa saudosa de onde nasceu, estudou e viveu, que quer voltar às origens como se voltasse ao paraíso perdido, estará diante de um bonsai. Um velho que não cresceu.

Estudar, ler, conversar, conhecer novas coisas, mundos, culturas, comidas, histórias é receber asas para voar. Mas tem gente que é como galinha: o voo é curto e ligeiro. Logo está no chão outra vez.

Marcos Inhauser

ESTADO ESQUIZOFRÊNICO

Não é de hoje que falo, escrevo e protesto contra o Estado brasileiro nos seus diversos níveis. Há nele um aperfeiçoamento célere quando s...